Resposta à moção de censura ao Governo do partido “Chega” (1ª parte)

“Algo diferente é olhar para o poder como oráculo a partir do qual alguém interpreta do espírito do povo, de todo o povo, ou seja, uma visão carismática da política e do poder, que parece ser a inspiração de fundo deste partido. Essa não é a nossa visão da política.”

Assistimos, cinco meses depois das eleições legislativas de 30 de janeiro de 2022, que deram maioria absoluta ao PS, e três meses depois da posse do XXIII Governo Constitucional, a uma insólita Moção de Censura ao Governo, sabendo-se que a sua aprovação, nos termos do artº 195 da Constituição da República, implicaria a sua demissão. Nada menos.
E permitam-me que sublinhe, independentemente das três razões invocadas pelo CHEGA, a estranheza deste partido, com esta sua iniciativa, estar literalmente a negar a validade do expressivo voto que os portugueses, depois de seis anos de Governo liderado por António Costa, deram ao PS, confiando-lhe uma maioria que garante estabilidade governativa durante quatro anos. Bem sei que os senhores deputados do CHEGA são portadores de um mandato não imperativo, de uma delegação de poder, bem sei, mas o que é estranho é o real significado da moção de censura neste momento, a escassos meses das eleições e da tomada de posse do Governo. Três meses, digo, três meses de um Governo liderado por alguém que depois de seis anos de exercício governativo mereceu um mandato de confiança por quatro anos pelos eleitores. Fica, pois, a sensação de que os senhores deputados não atribuem grande valor ao voto popular e ao seu significado. A formação de um grupo parlamentar confia-lhes esse poder, nos termos da Constituição, mas parece-me evidente que o estão a usar mal e no tempo errado, e não só porque contraria o sentido do voto popular, mas também porque as razões invocadas não fazem sentido.
Mas vejamos o conteúdo da moção. Em primeiro lugar, em nenhuma democracia as maiorias políticas equivalem à maioria numérica da população ou ao conjunto dos eleitores com direito de voto. O que vale democraticamente é a decisão dos cidadãos ativos que exercem o seu direito de voto, resultando daí não só uma efetiva validade formal, mas também uma substantiva legitimidade política. Não significa isto que uma abstenção elevada seja desejável, porque não o é, mas a regra que vale é esta desde que foi criado o sistema representativo. Algo diferente é olhar para o poder como oráculo a partir do qual alguém interpreta do espírito do povo, de todo o povo, ou seja, uma visão carismática da política e do poder, que parece ser a inspiração de fundo deste partido. Essa não é a nossa visão da política.
Em segundo lugar, e sobre as razões invocadas, o CHEGA, que sustenta algumas das suas afirmações em dados da imprensa em vez de ir às fontes institucionais e de elaborar com base em análise própria, aponta o SNS, a questão dos combustíveis e a questão do aeroporto como fundamentos para a demissão do Governo. E até invoca a demissão do Governo de Santana Lopes para justificar a sua moção, esquecendo que a maioria que o sustentava já caminhava para o seu terceiro ano de governo e que o primeiro-ministro Durão Barroso abandonara a chefia do governo para rumar a Bruxelas. Uma situação que não tem absolutamente paralelo com a que estamos a viver: eleições recentes, um Governo recente e um primeiro-ministro que se mantém reforçado na sua legitimidade política e pessoal, depois de uma caminhada de seis difíceis anos de Governo.
(segunda parte na próxima crónica)

* Deputado do PS na Assembleia da República eleito pelo círculo da Guarda

Sobre o autor

António Monteirinho

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