13 de janeiro de 2025. Numa decisão inédita do Presidente do Tribunal de Justiça, Procurador-Geral e Bastonária da Ordem dos Advogados foi acordado não convidar nenhuma entidade eclesiástica de qualquer religião para a cerimónia da tradicional abertura do ano judicial. Quebrou-se a tradição. Topol deixou definitivamente o violino no telhado e a cadeira cardinalícia ficou vazia.
49 anos depois da aprovação da Constituição cumpriu-se finalmente o preceito que determina a separação das igrejas do Estado, o que faz com que elas não sejam incluídas no protocolo do Estado.
Se é verdade que os valores éticos e morais estão enraizados em todas as religiões, a laicidade do Estado permite o distanciamento, sem contudo por em causa a desvalorização destes princípios numa interpretação que não pode ser considerada mera hostilização religiosa. Alberto Xavier dá a resposta: «Não é perseguição a qualquer confissão religiosa pretendendo-se proclamar o poder civil pelo espírito de todas as religiões e garantir a liberdade de desenvolvimento de todos os cultos».
Uma República como a nossa jamais será esvaziada de valores assentando em princípios de igualdade e liberdade, não podendo condicionar nada nem ninguém, assumindo o Estado a neutralidade necessária para que todos os credos possam afirmar-se, incrementando práticas junto dos seus seguidores sem contudo nunca colidirem com direitos de cidadania defendidos pelas leis da República.
A pátria da revolução proibiu em todas as escolas o uso da “burca”, do “nicab” e “hijab” e, em 2014, todos os símbolos religiosos e isto permite-nos analisar o fundamentalismo religioso que apresenta inúmeras tentativas de manipulação (até de sentimentos), agarrando espíritos livres e outros que procuram insistentemente a liberdade, fazendo questão de opinarem em processos da sociedade civil mesmo percebendo que a República jamais será despejada de valores onde ninguém tem o direito de condicionar seja quem for.
Isto não pode ser, nem deve ser, visto à luz da teoria da conspiração (a culpa a havê-la) é da Júlia e do Gibson e, sem qualquer orgulho ou preconceito, podemos observar o dia-a-dia na vida de Denisovich para percebermos que ninguém tem o mundo a seus pés e, independentemente da igreja católica ser maioritária, e reconhecendo o seu papel na sociedade, há que ter a sensibilidade de perceber que o mundo pula e avança e assume, por questões políticas ou de consciência, temas pertinentes como sejam a interrupção voluntária da gravidez, o casamento “gay”, a pílula do dia seguinte, a procriação medicamente assistida, a identidade de género, as barrigas de aluguer, as uniões de facto, o testamento vital, a eutanásia e a volúpia do desejo, não reprimido, e assim tão bem descrito nos passarinhos de Nin, no “Trópico de Câncer”, de Miller, ou até na “História de O”, e isto sem diabolizarmos “A Vénus de Peles”, o Marquês de Sade ou “A Casa dos Budas Ditosos”.
Por último e não menos importante, vamos à História. Sem ter de fazer referência ao Torquemada, aos esqueletos guardados nos armários e aos inúmeros telhados de vidro, Afonso Costa, nosso conterrâneo, em abril de 1911 tenta terminar com a promiscuidade de interesses aprovando a lei de separação da Igreja do Estado. Em maio de 1940, Salazar faz o acordo com o Estado do Vaticano, que designou por Concordata e que obrigou o bispo católico da diocese do Porto a afirmar que «A Concordata é clerical e o regime uma ditadura católica». Durão Barroso, em maio de 2004, renova a tal dita Concordata e aí sim… podem ler-se vários artigos que não encaixam na Constituição, grosseiras interferências em direitos, liberdades e garantias e ainda uma série de privilégios a todos os níveis, a que se somam inúmeras isenções fiscais que nem o António de Santa Comba se atreveria a subscrever.
Pelo respeito, pela História, pelo legado cultural, é tempo de exercemos em toda a plenitude a cidadania nesta República (tão pouco laica), mas que se quer laica e assumidamente anticlerical.
O pequenino passo dado 13 de janeiro passado foi deveras importante.