Regressar ao futuro

Escrito por Santinho Pacheco

Não há democracia sem imprensa livre. Em terras pequenas, nas cidades médias, um jornal é sempre mais que as notícias que publica; a imprensa local é a ata pública da realidade de toda a comunidade.

Votos de longa vida ao nosso semanário nos seus 20 anos, fiel a uma linha editorial com marca registada: isenção e independência.
Num texto que assinei em 2010, que se queria de antevisão da década na Guarda e distrito, falava de um triângulo estratégico feito de regionalização, serviços públicos e investimento privado no interior. A utopia de um sonhador com ambição para a sua terra.

Continuo a não ver alternativa.
Em 2020 não é preciso rebuscar ideias e inventar, basicamente, mais nada; é um programa estrutural que mantém toda a atualidade.

O que falhou então nessa estratégia?
Logo no início da década, com um novo Governo centro-direita, toda e qualquer perspetiva de crescimento para territórios de baixa densidade caía por terra. A direita neoliberal nunca teve respostas para o interior.

Em vez de regionalização extinguem-se freguesias, acabam os governos civis, fragilizam os distritos e inventam uma realidade virtual, as CIM, por mero calculismo eleitoral a prazo, lançando a maior confusão na representatividade parlamentar dos territórios.

Uma nova palavra surgia no quotidiano social e político: Troika! É a troika que marca o ritmo do tempo até 2016. Nem regionalização, nem investimento privado, nem serviços públicos; Austeridade!

Na Guarda, onde a troika coincide com a mudança autárquica, ainda houve estado de graça e, na euforia da propaganda, eventos e cor nos jardins e nas rotundas, deu a ideia de uma certa dinamização económica, que a realidade se apressou a desmentir.

Nos últimos anos deste ciclo político estavam criadas as condições para uma efetiva valorização da região. As eleições legislativas de 2019 deram mais peso político à Guarda. A descentralização em curso é o sinal de que a regionalização vem a caminho. As autarquias com mais meios e mais competências têm condições para apoiar a economia local.

O investimento público, com prioridade para o SNS, dará resposta a projetos antigos, na ferrovia, no parque TIR de Vilar Formoso, nas instalações da PSP e GNR, na segunda fase do Hospital Sousa Martins, a começar pelo pavilhão 5. O turismo em euforia, investe como nunca, na cidade e na região.

Vários serviços públicos estão previstos, a Guarda é uma centralidade política e rodo-ferroviária. A próxima Cimeira Ibérica já tem lugar marcado. Ser capital europeia da cultura em 2027 será a cereja no topo do bolo.
De repente, uma pandemia põe tudo em causa. Foram 60 dias que abalaram a Europa e o mundo, ameaçando as pessoas e a economia. Aviões em terra, fronteiras encerradas, “lay-off”, desemprego, máscaras e quarentena, medo, muito medo. Ninguém escapa ao pesadelo.

Como se isto não bastasse, na Guarda ainda quiseram dar uma ajuda. Ao coronavírus junta-se o vírus da irresponsabilidade dos autarcas do PSD no município. A troca da Guarda por Bruxelas já pré-anunciava o pior. O que nasceu de uma discórdia alheia está a desfazer-se aos poucos na sua própria discórdia.

A Guarda merecia respeito. Este é o período mais crítico que a cidade, a região transfronteiriça e o país já viveram; dos responsáveis políticos exige-se mais trabalho e menos tática partidária.

Nada será como dantes? Sim, para o bem e para o mal. Na Guarda só temos a ganhar. A nova normalidade vai ser o regresso ao futuro.

* Deputado do PS na Assembleia da República eleito pelo círculo da Guarda e antigo Governador Civil da Guarda

Sobre o autor

Santinho Pacheco

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