Se fosse crente na reencarnação havia gente que eu queria mosca na próxima vez. Havia tipos que deviam ser formigas, alguns deviam ser ursos, outros cavalos e montados por gente dura. Esta visão vingativa é feia, mas para ser bom não me ocorre ser outro senão pessoa. Interessante que dizem mal desta existência, mas não deve haver quem queira ser toureado, quem queira ser cabra velha na caçoila, quem deseje ser lagosta escalfada. Colocar o macho agressor no corpo da mulher ofendida na próxima vez. Eu, se fosse júri de reencarnar, tinha o corpo humano como cume. Gostas de aborrecer? Eras cão a ladrar com trela no pátio. Foste mau? Serás gazela com aquele olhar medroso. Alguns cães seriam gente, alguns golfinhos seriam pessoas. Muitos que tiveram a sorte de ser humano seriam outra coisa qualquer. Alguns seriam lápide anunciando feitos de outros. Muitos seriam lacraus no deserto, outras rãs nos lagos do hospital. Os dos partidos devem experienciar o efeito da manada – seriam zebras ou gnus percorrendo as estepes. Ser elefante seria quase logo abaixo de humano. Ser orca ou baleia também. Há privilégios que muitos não merecem. Um idiota, um prepotente, um ditador, zás – lesma, caracol, mosquito – respetivamente. A magia da decisão sobre a reformulação da vida. Os que acreditam que repetimos a existência sob formas diferentes são irmãos dos da vida eterna, parentes dos da imortalidade, filhos dos do céu com virgens à espera. Seria profundamente injusto que não houvesse novas existências, novas vidas, novas fórmulas para serem deliciadas. Estes seriam borboletas – vidas curtas e voadas, deslumbrantes por instantes. Só!