Na década de 1960 a população de Portugal que vivia em cidades pouco passava dos três milhões de pessoas: a maioria dos portugueses vivia em vilas, aldeias e casais. Em 50 anos tudo mudou: acentuou-se o processo de urbanização junto ao litoral e hoje vivem mais de oito milhões de pessoas numa conurbação contínua entre Viana do Castelo e Setúbal, a maioria das quais à volta do Porto e de Lisboa; e as principais cidades (e algumas vilas) no interior foram atraindo as populações das aldeias das redondezas, deixando os distritos com a maioria da população concentrada em três ou quatro cidades.
Esta concentração urbana teve, como correspondência, processos de qualificação urbanísticas e arquitetónica em geral positivos. Não há cidade nem vila que não esteja hoje melhor, mais bonita e mais funcional, do que há umas décadas.
Uma mistura de democracia e de crescimento económico, de Poder Local democrático e de verbas europeias, tem transformado a face urbana do país. Esta mudança virtuosa tem, no entanto, um enteado – ou, para ser exato, uma multidão de órfãos: as aldeias.
Salvo honrosas exceções, têm faltado nas aldeias intervenções integrais e transversais que as pensem como organismos vivos. É tempo, pois, de olhar para pequenas aldeias do interior e de pensar em intervenções que as tornem mais confortáveis para quem lá vive. E que as tornem, sobretudo, atraentes para populações urbanas com profissões muito digitalizadas que ponderem mudar-se para lá atraídas pela extraordinária qualidade do dia-a-dia, pela proximidade com a natureza e com as grandes paisagens e, também, pela significativa diminuição do custo de vida.
Não basta arranjar a pequena praça, embelezar uma fonte ou pôr casas de banho no jardim no centro da aldeia. Mesmo com boa estética, a maior parte das intervenções que as câmaras municipais e as juntas de freguesia contratam e financiam acentuam, em vez de contrariar, a morte social das respetivas aldeias.
A lógica tem de ser outra! Tem de se pedir aos arquitetos e aos urbanistas que, em pequena escala, criem um microcosmos: bancos para sentar, um telheiro para conversar no tempo de chuva e zonas de sombra para o verão, espaços para uma mercearia, um café, se possível uma loja.
Sem atividade económica, pequena que seja, e sem convívio social, não há aldeias. Sem condições urbanísticas mínimas, ninguém pense em atrair, de forma consistente, pós-urbanos e nómadas digitais. Ou se escolhem as aldeias para fazer apostas estratégicas, ou é melhor não gastar dinheiro inutilmente.
* Dirigente sindical