Tendo ocorrido ontem, 16 de julho, a passagem do 85º aniversário do nascimento de Jesué Pinharanda Gomes, não poderíamos deixar de evocar este ilustre ensaísta, historiador, filósofo e investigador, que faleceu a 27 de julho de 2019.
Natural de Quadrazais, concelho do Sabugal, onde nasceu em 16 de julho de 1939, Pinharanda Gomes, figura incontornável da cultura portuguesa, comentou-nos um dia que, literariamente falando, era natural da Guarda; embora realizado em Lisboa. Isto porque, como nos disse, foi na cidade mais alta de Portugal que lançou as primeiras raízes. Numa das suas muitas obras, Pinharanda Gomes escreveu que, «na esquina do tempo, e tendo saído da Guarda há muitos anos (parece que temos o destino da emigração) foi-nos concedida a graça de permanecermos fiel à mátria».
Essa fidelidade foi constante, exemplar, de uma grandeza própria de personalidades de enorme saber e erudição, mas simultaneamente simples, humanas e profundamente solidárias com a sua terra de origem.
A sua presença, frequente, em iniciativas realizadas na Guarda ou na região, a par das muitas intervenções proferidas sobre temáticas e personalidades ligadas à nossa região comprovaram isso mesmo. Pinharanda Gomes foi exemplo «(…) de um estudioso desinteressado, sem prebendas nem honras institucionais, fazendo do estudo erudito uma vocação de vida», como escreveu Miguel Real.
No conjunto vasto de títulos publicados por Pinharanda Gomes avultam três áreas: os contributos na História da Filosofia; as monografias da história da Igreja e os estudos regionais; afirmou-se, sempre, um defensor convicto, e incansável, do nosso património histórico-cultural e outrossim dos valores humanos, mormente desta zona raiana.
Numa entrevista que nos concedeu para a revista cultural “Praça Velha”, quando questionado sobre qual das facetas (historiador, filósofo, crítico literário, ensaísta e conferencista) melhor se enquadrava no perfil de homem de cultura, realçava que tinha alguns livros de filosofia pura, nomeadamente o seu livro de estreia, «que é o “Exercício da Morte, O Pensamento e Movimento” – que é uma introdução, uma ascese filosófica – e que naturalmente deveria ser por aí que eu deveria ter caminhado, e também o “Dicionário de Filosofia Portuguesa”, ou “Entre Filosofia e Teologia”. Ora o que acontece é que no mundo não estamos sós, estamos com os outros e, ou porque somos solicitados pelas pessoas, ou pelos temas, todos acabamos por nos dispersar por outras coisas; comigo aconteceu um pouco isso.
Como desde muito cedo – ainda na Guarda – tive uma vocação para a pesquisa, quando fui para Lisboa, e passei a dispor de mais fontes documentais, iniciava muitas vezes a investigação de um tema; depois, à medida que investigava esse tema surgia documentação sobre outros e custava-me abandoná-la, pelo que tomava notas e assim foram surgindo estudos diversos, em várias disciplinas. Contudo, penso que pelo número de livros e estudos publicados, cabe-me muito melhor a classificação de historiador da cultura com a tónica na história da Filosofia portuguesa e também na história da Igreja contemporânea, da época moderna».
Pinharanda Gomes concluía, depois, que era «um hermeneuta da cultura, quer dizer, procuro interpretar os seres, os factos e as coisas do âmbito cultural, sobretudo do pensamento, mas de modo a preenchê-las com o meu próprio significado. De um modo geral faz-se exegese cultural, extraindo significados dos dados. O exegeta é colocado perante um facto, ou perante um ser, uma obra, e procura tirar daí alguma coisa. Eu tenho procurado caminhar no sentido inverso; aliás, não é por acaso que em filosofia há um léxico que tem uma origem modestíssima».
Este pensador evidenciava, ainda, a área da «historiografia filosófica» por ser neste âmbito onde produziu «maior quantidade de trabalhos de fundo. Na História da Igreja Moderna embora tenha muitos títulos publicados, a maior parte deles são opúsculos, separatas, estudos que saíram em revistas, ou conferências proferidas em congressos; claro que tenho algumas obras de fundo, como é o caso da História da Diocese da Guarda e os Congressos Católicos em Portugal, e outros; mas no conjunto, quando se olha para a minha bibliografia, o que permanece é de facto o primeiro capítulo que tenho considerado, Filosofia e História da Filosofia; é a área à qual tenho dedicado mais tempo e empenho», referiu-nos nessa entrevista.
Contudo, o seu labor, nesta matéria, não se circunscreveu às edições já conhecidas, pois houve muito trabalho que não veio a público, pelo menos diretamente, e que diz respeito às centenas de verbetes escritos para dicionários e enciclopédias, quase sempre assinados, ou com as letras P.G.
Como eminente autodidata erudito, Pinharanda Gomes deixou vastíssima bibliografia iniciada em finais da década de 50 do passado século. Em 20 de março de 2018, e num justo reconhecimento à sua obra, a Universidade da Beira Interior atribuiu a Pinharanda Gomes o Doutoramento Honoris Causa
«Ao longo de décadas, Pinharanda Gomes foi (…) um dos mais prolixos hermeneutas da História e tradição do nosso pensamento filosófico. Investigador e sistematizador nato, jamais se deixou prender pelas etiquetas de historiador, ou de filósofo (…)». Escrevia José Almeida no artigo “Para uma visão de Pinharanda Gomes sobre o Galaaz de Portugal”, que integra o conjunto de trabalhos inseridos num livro dedicado à obra e pensamento deste filósofo, ensaísta e investigador, intitulado “Pinharanda Gomes – A Obra e o pensamento, estudos e testemunhos”.
Recordemos que no Sabugal funciona o Centro de Estudos Pinharanda Gomes. Neste Centro onde está reunido todo a acervo documental particular, que o autor doou à autarquia, bem como cerca de 3.500 opúsculos e volumes sobre temáticas diversas; algumas dessas publicações integraram a exposição que esteve patente na Biblioteca Nacional, em Lisboa, em 2022. “Pinharanda Gomes, historiador do pensamento português” foi o tema dessa exposição que pretendeu homenagear «esta figura, principalmente na vertente histórico-filosófica da sua obra, sem, contudo, menosprezar o pensamento original do autor e as outras contribuições dele em vários âmbitos da cultura portuguesa». Um intelectual que honra o concelho onde nasceu, a Guarda onde também estudou e viveu, o país e o espaço da lusofonia.
Será que a Guarda o continua a lembrar, a ter presente o legado cultural que deixou, a perceber a sua grandeza, a valorizar toda a sua investigação e ampla bibliografia? É que, como alguns dos estudiosos da sua obra têm destacado, Jesué Pinharanda Gomes foi um inquestionável «historiador do pensamento português de todos os tempos».
Recordar Pinharanda Gomes
“Este pensador evidenciava, ainda, a área da «historiografia filosófica» por ser neste âmbito onde produziu «maior quantidade de trabalhos de fundo. “