Quem quer ser professor, neste nosso Portugal?

Escrito por Elizabete Dente

“Quer se queira ou não, é urgente repensar todos os aspetos, pois é na educação que reside a base estrutural de um país e que um bom professor não pode passar apenas por ter uma licenciatura.”

Nove horas. Segunda-feira. A algazarra da criançada, solta, no pátio da escola dilui-se no barulho silencioso e frenético da escola envelhecida, demorando-se nas memórias dos garotos que já fomos.
E, hoje, somos nós, aqui!
Ao lado, na sua sala, a colega vinda de Mirandela, depois de cinco horas de autocarro, uma hora de comboio, quinze minutos de metro, um quilómetro e meio a pé e agora na sua secretária com 26 alunos, à frente, ávidos de saberes e esperançados na hora do recreio que há-de extravasar, de novo, no delírio, as brincadeiras de quem quer ser, só, feliz.
Professora, a abraçar a nobre profissão e a responsabilidade e integridade de o ser inteiramente, ditada pela vocação, a quem, por enquanto, ainda não foi negado o direito de ir à terra, às suas origens, aos seus lugares rebuscar o abraço fraterno de conforto, que lhe há-de alimentar os olhos e o coração desgastados pela distância dos seus amores.
Casa às costas, ano após ano, a incerteza de um lugar, e pela primeira vez, depois de 20 anos de serviço em escolas e escolas, deixa o estatuto de contratada para, finalmente, se tornar numa docente de Quadro de Zona Pedagógica.
Oh, quanto se espera este momento! Mas as incertezas continuam…
De olhar sonhador, já entrada na idade, carrega nos gestos a luz e a vontade de ser mais e tal como o emigrante que passa fronteiras, cruzam-se universidades e cursos e saberes e desejos e família e saudades.
A juntar à renda de casa, os transportes, as necessidades diárias, o génio deixa-se arrefecer ou então não sei…
Estou em querer, que o jovem que escolhe ser professor é louco ou, simplesmente, carrega em si o brio e o bem maior de gostar de o ser. Ainda assim, é flagelado por um sistema de avaliação que o segrega e o impede de chegar ao topo da Carreira Docente, iludindo-o, na triste e esperançosa, convicção de que se for um professor excelente (como se o não fosse), pode, lá para os 65 ou 66 anos, atingir o 10º escalão.
Depois são mais de 60.000 alunos no início do ano letivo sem professores. É a falta de professores e são lugares que pela distância, pela inexistência ou dificuldade de alojamento ou outros quaisquer motivos válidos, não se aceitam.
É um quadro de professores profundamente envelhecido, exausto, desmotivado que, ainda que ame profundamente o que faz, sente nos ombros o peso dos anos de trabalho e canseiras.
Isto para não falar na Monodocência, pois que estendendo esta grinalda gigantesca, muito haveria a dizer… Mas deixa-se, somente, a dica preciosa embora empírica das nossas gentes sabedoras, de que “quem andou não tem para andar” e que qualquer educador aos 60 anos é sábio, contudo são poucos os que conservam em si, a total agilidade física e mental para responder às expetativas e necessidades dos alunos.
Quer se queira ou não, é urgente repensar todos os aspetos, pois é na educação que reside a base estrutural de um país e que um bom professor não pode passar apenas por ter uma licenciatura. É preciso que o professor se sinta verdadeiramente professor, passando por estar, o mais possível, confortável na sua profissão, para não defraudar, sem receios nem culpas, os alunos e as sociedades.
Perante o, escasso, exposto, coloca-se a tão atual e pertinente questão:
Quem é que, afinal, quer mesmo ser professor?

* Professora

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Elizabete Dente

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