Quem faz um filho, nomeia-o com gosto

Pelo que leio nas notícias, o Presidente Trump falou com russos, mas não cometeu nenhum crime, o Governo do PS é uma família alargada, mas nada é ilegal, o Benfica alicia toda a gente, mas o culpado é o hacker.
Há quem, sendo oposição a estes poderes (a saber, do último para o primeiro: portistas e sportinguistas, gente de direita, e pessoas simplesmente decentes), conteste a impunidade com que estas figuras agem e decidem. E estas figuras normalmente respondem com a gravidade institucional adequada, muito apropriadamente resumida na expressão portuguesa “quem diz é quem é”.
Como o espaço é curto, vejamos apenas o que disse Carlos César sobre a proliferação de grupos familiares no espaço governativo do Partido Socialista. Carlos César, pessoa com currículo impecável no que diz respeito à nomeação de familiares (impecável, no sentido em que nomeou e ajudou a nomear vários), acusou o Bloco de Esquerda de também ter muitas relações familiares. O grupo parlamentar do Bloco de Esquerda tem duas irmãs gémeas, e os estudos genéticos comprovam que os gémeos têm uma ligação muito mais forte do que qualquer pai e filha ou marido e mulher. As irmãs Mortágua equivalem para aí a três pares (ou mesmo trios) de famílias no PS. Além disso, o agora Richelieu do Bloco, Francisco Louçã, é primo de um ex-ministro das Finanças, e o desaparecido Miguel Portas, eurodeputado, era irmão de um ex-ministro de várias coisas. Ser da família de alguém de outro partido, ainda por cima no Governo, é uma vantagem comparativa muito maior do que ser casado com alguém da mesma concelhia. Por isso, Louçã e Portas valem, cada um, por mais dois casais do PS. No PCP, toda a gente sabe que aquilo é uma grande família e que os laços de sangue e o matrimónio são um luxo burguês. São todos camaradas em comunhão plena – excepto Miguel Casanova, que foi despedido. Segundo a teoria de Carlos César, o PS só não é o partido mais puro nesta matéria porque o PAN ainda não começou a nomear bichos de estimação para lugares de chefia.
Obviamente, o nepotismo não é alheio da direita, porque todos os reaccionários têm mais de cinco filhos, e um é professor universitário de Direito, outro torna-se CEO, o terceiro abraça a política num micro-partido, o quarto é médico, e a mais nova é uma hippie progressista vegetariana. Normalmente, só esta é que é famosa.

* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

Sobre o autor

Nuno Amaral Jerónimo

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