Quarentenas diferentes

Escrito por António Ferreira

Três homens de meia idade estão fechados em casa, cada um na sua. Todos tomam conta de um filho menor, impedido de ir às aulas. Dois trabalham na mesma loja, um como vendedor e outro como gerente da sociedade que explora a loja, uma microempresa. O outro é advogado. Todos pagam impostos e nenhum pode agora trabalhar. Apenas um deles, o trabalhador por conta de outrem, tem apoio do Estado. Se a loja onde trabalha não voltar a abrir e cair na insolvência, terá direito a uma indemnização, assim como ao subsídio de desemprego. No ano passado gozou um mês inteiro de férias, ao contrário do gerente ou do advogado, que se limitam a uns fins-de-semana prolongados.
O gerente e o advogado ouvem com espanto as reivindicações dos sindicatos de aumento de salários para a função pública, aumentos que se deverão estender “aos privados”, Covid-19 ou não. O gerente já não conseguia muitas vezes tirar um ordenado para si e ia pagando muitas vezes o salário do empregado com recurso às suas poupanças (que estão a acabar). Para não aumentar ainda mais as despesas, faz descontos para a segurança social sobre o salário mínimo e deita contas à vida e à miséria que irá receber de reforma, quando se conseguir reformar. O advogado também. A concorrência é muita e é muitas vezes desleal. Sabe que vai ter de trabalhar até muito tarde e que muito daquilo que ganha serve apenas para manter a “máquina” em movimento e que, quando vêm os dias de crise, como estes, os advogados são os primeiros a deixar de receber. Ainda por cima agora, com os tribunais fechados, os processos não terminam e não há por isso oportunidade para apresentar a conta final.
Regressemos ao gerente: se não entregar à Segurança Social os descontos que faz sobre o ordenado do seu empregado estará a cometer um crime, mas, mesmo que os não entregue, os benefícios sociais do seu trabalhador estarão garantidos – reforma, subsídio de doença, subsídio de desemprego e tudo o mais.
Assumiu-se já que as medidas de apoio criadas para mitigar os efeitos da pandemia serão financiadas pelo Orçamento Geral do Estado, já que os meios próprios da Segurança Social são insuficientes. O próprio Estado vai ter de se endividar para isso e essa dívida será paga por todos os que pagam impostos, sejam trabalhadores por conta de outrem, profissionais liberais ou empresários, recebam ou não recebam compensações por estarem em casa fechados durante a pandemia.
E quando esta acabar há um que terá direito integral às suas férias, vencidas a um de janeiro deste ano pelo trabalho do ano passado. O patrão dele bem tentou marcar-lhas para este período mas ele não quis: estava em casa a tomar conta do filho, que tinha a escola fechada. Por isso, quando tudo recomeçar e for urgente, indispensável, recuperar a economia do país, vai haver centenas de milhar, milhões de trabalhadores que irão querer gozar as suas férias – e teremos o país fechado mais um mês.

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António Ferreira

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