Cerca de três mil portugueses, a residir em território nacional, têm cem ou mais anos. Idade mítica, capaz de levar qualquer um a perguntar como é que se alcança, mas que, hoje em dia, não nos intriga o suficiente para tentarmos perceber as razões para que o número de centenários, só nos últimos dez anos, tenha aumentado 70%. Ora, pior do que isso será o não nos intrigar, sequer, o facto de sermos incapazes de o fazer. Importássemo-nos nós com algo maior do que o nosso umbigo que, além de começarmos por correlacionar o fenómeno da longevidade com o do desenvolvimento, identificaríamos o SNS como elemento intrínseco ao próprio fenómeno, em vez de, alimentando a crise, forçada, das ideologias, persistir em difamá-lo. Ou, vá lá, deixarmos de permitir que nos enviesem a perceção que dele temos. Só que, infelizmente, parece que estamos mais apostados em atingir rapidamente o auge temporal das percepções do que o dos factos, concretos e reais, e os estudos fazem-se agora às percepções, ao invés de aos acontecimentos. Exemplo disso, será o recente estudo da perceção da corrupção que, não considerando a forma como é construída e induzida a boa dessa perceção, na divulgação dos seus resultados ainda acabarão por eliminar a palavra perceção, levando-nos a acreditar que o que está em causa é a própria corrupção, ao invés da perceção que dela temos.
Obviamente que a consequência disto será, como se tem podido observar, a crise das ideologias e, por arrasto, a dos partidos políticos cujos valores parecem impedir o indivíduo de se sentir como parte de algo que sabe interpretar as suas necessidades. Acontecendo isto, apenas porque o conceito de comunidade tem vindo, sistematizada e consistentemente, a ser substituído pelo do individualismo, potencia-se o antagonismo entre indivíduos.
Fenómeno a que os partidos políticos emergentes, ajudados por todo o tipo de movimentos, não serão alheios, revelando, despudoradamente, todo o seu empenho em potenciá-lo através da depreciação de qualquer ideologia, a que dão em chamar “sistema”, como factor de afirmação pessoal dos seus líderes autoproclamados avessos a qualquer ideologia. Claro que para os indivíduos, sem referências ideológicas, até o Estado de Direito deixa de fazer sentido e as únicas soluções são aparecer, ele próprio, como valor de referência no controlo dos votos através de movimentos de indignação. Movimentos que, como Bauman observa, sabem o que não querem, mas nunca o que querem e nós nem como anarquistas ou fascistas os podemos identificar.
Sem que ninguém consiga antever quando e em que direção o farão, estes movimentos limitam-se a agir contra o preestabelecido e a ordem pública. O que também não lhes preconizará grande futuro. Nem a eles, nem a nós que, muito provavelmente, assim, não chegaremos aos cem anos de idade. Aqui, no risco real de estarmos a andar para trás, residirá o busílis da questão: a quem interessará o retrocesso? Às democracias ocidentais, ao Estado Social, entendido como fundamental para o progresso da humanidade, tal como as conhecemos, não será. De certeza.
Quando a ameaça à democracia ajuda a controlar votos
“Importássemo-nos nós com algo maior do que o nosso umbigo que, além de começarmos por correlacionar o fenómeno da longevidade com o do desenvolvimento, identificaríamos o SNS como elemento intrínseco ao próprio fenómeno, em vez de, alimentando a crise, forçada, das ideologias, persistir em difamá-lo.”