As crises, guerras ou pandemias, para além da devastação e das consequências trágicas que produzem, surgem também como oportunidades de mudança e de evolução positiva para as populações. O maior exemplo disso será o período que se seguiu à II Guerra Mundial, no qual – e apesar da Guerra Fria – nasceram e se multiplicaram os regimes democráticos e se fundaram as sociais-democracias que, nas décadas seguintes e até hoje, permitiram a tantas pessoas ascender às classes médias.
A crise da Covid-19 não é diferente!
É verdade que a pandemia está longe de estar dominada, mesmo em Portugal, e que não sabemos ainda o que nos espera no ano que se vai seguir até à descoberta de uma vacina. Em processos que não dominamos, e nos quais a ciência ainda está na fase em que tem mais dúvidas do que certezas, é preciso ter o bom senso, e a prudência, de não dar palpites. O assunto sério.
Podemos, no entanto, falar de algumas coisas que a crise revelou. A maior parte delas, infelizmente, são negativas, como o aumento das desigualdades socioeconómicas: como em todas as crises, “os de baixo” estão, e irão, sofrer mais do que “os de cima”. Os empreendedores são e serão mais castigados do que os funcionários públicos. E os velhos estão em desvantagem face aos novos.
Nada de novo. Como diria o outro, “é a vida”.
Mas também há coisas positivas a registar. Ficou demonstrado, nomeadamente em Portugal, que os territórios com menor densidade populacional – ou seja: o Interior – tiveram, em regra, menor taxa de incidência da infeção e um melhor controlo da doença.
Por outro lado, e em oposição, continua a verificar-se uma muito maior dificuldade de controlo do novo coronavírus, e uma maior facilidade de propagação, nas regiões densamente povoadas como as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto.
Esta fragilidade sanitária do litoral, sentida no eixo urbano contínuo que liga Setúbal a Viana do Castelo, pode e deve voltar a colocar o reordenamento do território e a redistribuição da população portuguesa pelo país na agenda política. É evidente que os políticos eleitos pelo litoral e pelas áreas metropolitanas jamais o farão, mas os autarcas do Interior, os deputados eleitos por este território e os governantes com origem e ligações ao Interior poderão lutar por isso.
Esta é uma oportunidade para tornar o Interior atrativo que, por bons e por maus motivos, não se voltará a colocar tão cedo. Aproveitá-la é uma questão de ambição: quantos políticos, nacionais e locais, teremos com ambição e estofo para agarrar este desafio?
* Dirigente sindical