Processos e penas

Escrito por Diogo Cabrita

“Uma negligência, um erro, uma coincidência, um azar, um estúpido vídeo na Internet, podem conduzir a um tempo de privação de direitos.”

Bateste – vais preso. Roubaste – vais preso. Atropelaste – vais preso. Mataste – vais preso. Violaste – vais preso. É uma sequência que rima sempre com cadeia ou presídio. Uma das questões que urge resolver no sistema penal é exatamente a moldura penal – que pena aplicar decidido que foi o crime e o seu culpado.
Qualquer um de nós pode ter um azar e acabar às portas de uma prisão. Uma negligência, um erro, uma coincidência, um azar, um estúpido vídeo na Internet, podem conduzir a um tempo de privação de direitos. Empreiteiro que vê ruir um prédio, construtor a quem cai uma varanda, aquele acidente depois de um jantar bem regado com os melhores amigos, aquela doida que literalmente se atirou para a frente do carro, que entrou a correr numa passadeira, o fogo assassino no espaço da minha freguesia, o incauto que ficou no caminho do cão que se soltou…
Há inúmeras razões para acabar preso, porque tudo se mede em penas. As sociedades que encontram padrões únicos de recompensa – o dinheiro, ou de punição – o tempo de coartação da liberdade, acabam redutoras de soluções que compensem ou que eduquem. O presídio não é o lugar onde estão os maiores criminosos, é também esse espaço. Mas lá está o que conduz sem carta, o que rouba para comer, o drogadito e o drogadão, o violador e o tarado. Inúmeras compulsões são doenças, inúmeros crimes devem-se a maus diagnósticos. A verdade é que o pedófilo, ou o esquizofrénico, ou o incendiário, quando descompensados, ou não medicados, cometem crimes repugnantes, crimes que despertam o sonho de sevícias que está plasmado na genética.
Os seres humanos, libertando a sua criatividade demoníaca, são psicopatas capazes de holocausto, de agressão gratuita, de tortura, de maldades sem limite. Talvez por isso deixámos as 30 chicotadas, a amputação da mão, as marteladas no peito e fomos procurar redenção na decapitação, na pena perpétua, no desejo de muitos anos de cadeia. Não tenho nada contra os castigos, a criatividade das penas (que podiam ser um leque de redução de direitos além da liberdade, uma diversidade que cabe desenhar e definir), mas sou pela redução das cadeias, pela sua dignidade como lugar e sobretudo pela exigência do cumprimento da lei dentro delas.

Sobre o autor

Diogo Cabrita

Leave a Reply