No passado sábado, a cidade de Lisboa encheu-se de pessoas na rua que manifestavam, em locais distintos o seu protesto, o seu desagrado, a sua tristeza. Uma manifestação era contra actuações violentas da polícia, que consideram ser fruto do nacional-socialismo. Outra foi contra actuações violentas de bandos, que consideram ser resultado do socialismo nacional. Uma terceira, porventura a mais concorrida, chorava apenas o fim das actuações de quem consideravam ser o rei do nacional-cançonetismo.
Quem visse as notícias na televisão e a rapidez com se mudava dos protestos para o velório, do velório para os comícios, dos comícios para o funeral, do funeral para os debates, dos debates para os testemunhos, pôde esclarecer, ouvindo todas as intervenções, as muitas dúvidas sobre os acontecimentos que foram ocorrendo durante a semana anterior.
Prestando muita atenção a todas as reportagens e directos durante os dias de sábado e domingo, fui, pouco a pouco, reconstruindo esse difícil puzzle e tentando compreender algumas das questões para as quais não tinha resposta. Sem conclusões precipitadas e sem preconceitos que obnubilassem a minha capacidade interpretativa da realidade, fui entendendo que um agente da polícia terá causado a morte do Marco Paulo e que os seus fãs incendiaram um autocarro. Percebo também que morreu outro cidadão com o desgosto pela morte do cantor, e que as forças policiais foram às periferias de Lisboa pedir às pessoas para baixar o som das colunas onde ouviam “Eu Tenho Dois Amores – e nenhum é da polícia”. Li nas notícias que o condutor do autocarro da tournée de Marco Paulo está em estado grave no hospital, depois de Luciana Abreu e Clemente terem preparado um chá ao artista falecido, mas quando ele ainda estava vivo. E compreendi, depois de ouvir vários sociólogos e psicólogos, que as pessoas pobres só têm dois recursos para se expressar: as canções de Marco Paulo e a violência urbana. Ou três, se votar no Chega for considerada uma forma de expressão.
* O autor escreve de acordo com a antiga ortogarfia