Na passada segunda-feira comemorou-se o dia do país e do poeta. Um amigo estrangeiro perguntou-me como é que os portugueses comemoram o dia de Portugal. Respondi a verdade, que não comemoramos nem celebramos, porque há quatrocentos anos que isto só nos dá razões para nos queixarmos. Não é por acaso que escolhemos para o dia de Portugal a data em que morreu um dos nossos melhores. Não é caso para celebrar, é motivo para carpir.
São tantas as cerimónias dedicadas ao quinto centenário do nascimento de Camões, festas de redondilhas e sonetos, raves de Lusíadas que vão muito para além da Taprobana, que não deixam ninguém dormir, tal é o barulho e a agitação que o poeta convoca. São tantos eventos e tão apetecíveis, que algumas pessoas não têm outra alternativa que não seja celebrar essa efeméride na rua.
Num desses ajuntamentos, com certeza para comemorar o Camões lírico, protestava-se contra o racismo, a xenofobia, o machismo, a violência. Uma das participantes falou aos jornalistas sobre a importância de dar voz e representação às pessoas racializadas e às mulheres. No rescaldo das eleições, também Marisa Matias do Bloco de Esquerda lamentou a escassez de mulheres no Parlamento Europeu. Presumo que a deputada do Bloco estivesse a lamentar a não eleição de Joana Amaral Dias. E com certeza que a manifestante pela paz e contra a xenofobia terá depositado o seu voto no partido Nova Direita, para ajudar a eleger Ossanda Líber, a única cabeça de lista que acumulava essas duas características: ser mulher e negra.
A não ser que, como vai sendo hábito, Ossanda Líber não tenha direito a ser nem uma coisa nem outra porque ostenta na lapela o dístico “direita” (no caso dela, nem é uma atribuição de género político à nascença, é mesmo o partido que assim se auto-identifica). Pelos vistos, parece que o conteúdo do discurso às vezes é mais relevante do que a cor da pele ou os pares de cromossomas.
Para estes profissionais da manif e da queixinha, só quem se afirma de esquerda é que tem direito a ser tido em conta na defesa das minorias. Se fosse da nova esquerda, Ossanda Líber seria uma mulher racializada. Como é da nova direita (ou mesmo que fosse da velha esquerda), já não conta para a inclusão das minorias. Quando não lhes interessa, os combatentes da justiça social esquecem rapidamente o interseccionismo. Quando um homem progressista tenta explicar a uma mulher conservadora que ela está errada, já não é mansplaining, é debate.
Embora o motivo seja um facciosismo atroz, esses militantes anti-racismo não vêem em Ossanda Líber uma mulher negra que precisa dos protestos deles, de dez ONG e um ministério para combater o patriarcado e o racismo estrutural. Só acham que ela é uma proto-fascista (não confundir com preto-fascista, por favor, um jovem woke nunca diria isso).
A maior parte do que diz a candidata da Nova Direita são disparates e maluquices? São. Mas isso é que é igualdade de género e racial. Não é por ser mulher ou negra que se está livre de ter ideias tão chanfradas como qualquer homem branco.
* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia