1. Os utentes do RSI britânico vieram desconfinar até à Pátria de Camões. Honrando uma tradição de subserviência lusa diante dos interesses e caprichos dos britânicos. Algo que Napoleão já se tinha dado conta, quando nos obrigou a cumprir o Bloqueio Continental, notando que éramos “la vache au lait des anglais”. Basicamente, aconteceu o seguinte: um país que vive condicionado por um estado de calamidade recebeu milhares de cidadãos britânicos que ficaram isentos das regras a que os portugueses estão sujeitos e que, por sinal, até são mais brandas do que as que vigoram no UK. Ou seja, as autoridades deixaram que os turistas acidentais fizessem tábua rasa das mesmas regras que, zelosamente, fazem cumprir aos comuns cidadãos nacionais. Alguns dos desordeiros mais parecendo personagens saídos do filme “A Laranja Mecânica”. Mas o que pode explicar tamanho desacerto e tão escandalosa submissão? O triunfo, em toda a linha, da lógica do espectáculo. Que faz passar para segundo plano a saúde pública, a igualdade perante a lei e o valor supremo que é a vida. No entanto, nunca é demais repetir que sou um admirador confesso da cultura e sistema político inglês. O futebol é mais uma criação genial do gentlemanship britânico. Depois apropriado pelo operariado e agora pelo lumpen (ou “multidão”, um update de massas desenraizadas, na acepção de Negri e Hardt). Numa sociedade política inclusiva como a britânica, o futebol é utilizado cimo válvula de escape das tensões sociais. Ou seja, antes umas rixas de copos do que atentados e violência a sério. Uma questão que passa à margem da Inglaterra que soletra o “h” aspirado. A marca classista que, como Orwell já notava, divide a sociedade inglesa.
2. Estive atento à última Convenção do BE. Numa primeira fase, ler as propostas explícitas e implícitas aí veiculadas é como assistir a um filme de terror. Passado o choque, é preciso ir mais além. Desmontar a estratégia dos bloquistas. Que passa por gerir a distância social em relação ao PS. O BE é hoje o braço igualitário e radical dos socialistas, onde gozam de uma sólida contiguidade nos sectores pedronunistas. Mas a última coisa de que os bloquistas querem ouvir falar é numa maioria absoluta de Costa. O BE sabe bem que o que lhe resta para fazer passar as suas propostas é ser a muleta do Governo na aprovação de cada OE, ou de legislação “sensível”. Mas há o outro lado da equação: a cartelização do espectro partidário em torno no Bloco Central. Que tem como efeito, a contrário, o aparecimento e crescimento de novos partidos, nas franjas do sistema. O BE e o Chega vivem numa relação concorrencial de captação do protesto. Recorrendo em igual medida ao populismo. Só que, enquanto no Chega tem pendor nativista e securitário, no BE é abertamente igualitário. Por esse motivo, os bloquistas não podem prescindir dos soundbites que expressam o seu ADN profundo. Para isso, vai continuar a ser uma máquina de produção de “fascistas” e outros bonzos. Conclusão: é na tensão permanente destes dois factores – o BE com um pé dentro e outro fora – que a estratégia de sobrevivência dos bloquistas se irá decidir.
3. Um idealista é uma criança descuidada, mas firme na sua ambição. Um sonhador é como uma vela que se vai consumindo lentamente e no final da festa se apaga. Embora cintilando a glória de uma generosidade sem audácia. O diletante, por sua vez, é um imitador. Prefere quase sempre o glamour do idealista, em vez do funambulismo do sonhador. Lembremo-nos do tremendo Ega, de “Os Maias”. Um homem do mundo, mas sem mundo para se equilibrar. Uma promessa de talento eternamente adiada. Portanto, o diletante é escravo do destino que criou para si. Persegue a forma, crendo que é o conteúdo. Fica sempre a meio do caminho que ele pensa ter chegado ao fim, para logo começar outro. Por isso, usar as vestes do idealista pode ser-lhe fatal. O idealista é o escravo forro que se libertou do seu destino. Mais ninguém, senão ele, provará os frutos mais doces, descobrirá música no crepitar do fogo, ou tingirá de oiro a crueldade com que o mundo o põe à prova.