Portugal, essa doença incurável

“A desgraça de Portugal é ter o estado mental do Norte e o estado financeiro do Sul. Durante o Estado Novo popularizou-se a frase “pobrete, mas alegrete”.”

Descrevendo a Colômbia a pessoas que se interessam pelo desconhecido, ouvi algumas vezes a afirmação, “afinal Portugal não é assim tão mau”. Que comparação é esta? Sim, Portugal tem mais rendimentos e menos assassinatos por habitante. Mas será essa a bitola que nos serve?
A Colômbia tem enormes desigualdades na sua estratificação social, mas tem a simpatia e a alegria muito bem distribuídas. É verdade que parte da população vive das plantações de coca, enquanto em Portugal, sem essas riquezas naturais, andamos todos à coca. O meu argumento é este: se é para sermos uma nação de sorumbáticos, enfadonhos e pessimistas, temos de nos comparar com os outros países que também são assim, isto é, os ricos.
Ou bem que dançamos com a salsa caribenha ou descansamos com a coroa dinamarquesa. Ou sacamos piropos não javardos ou aprendemos cripto-linguagens. Ou dizemos que tudo é “chévere” mesmo diante da desgraça, ou paramos de votar em políticos sem sentido crítico. Ou somos pobres e temos a Shakira, ou aceitamos que somos o Fernando Pessoa e, consequentemente, exigimos salários modernos. A Colômbia deu ao mundo o realismo mágico, Portugal contribui com o ilusionismo trágico.
A desgraça de Portugal é ter o estado mental do Norte e o estado financeiro do Sul. Durante o Estado Novo popularizou-se a frase “pobrete, mas alegrete”. Nem sequer acredito que tenha sido o Secretariado de Propaganda Nacional a inventar esta expressão. Qual é que seria o interesse de caluniar a governação do Doutor Salazar, espalhando ao vento que os portugueses andavam alegres?
Felizmente, a democracia não trouxe grandes alegrias e expressividades. Mantivemos a nossa idiossincrática aborrecida cara-de-cu. Nem as incursões da União Europeia pelas novas terras coloridas de Mediterrâneo e dos Balcãs alteraram essa face de Portugal. Entendamo-nos de uma vez por todas. A nossa linha de horizonte tem de ser o Norte da Europa, porque a alegria espalhafatosa do Novo Mundo aqui não tem serventia. Já que somos fatalistas e decadentistas, sejamos definitivamente velhos e ricos.

* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

Sobre o autor

Nuno Amaral Jerónimo

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