Porto Seco – Uma estratégia competitiva para a Guarda

“Na prática, o porto seco da Guarda será mais barato e mais eficiente para as empresas com ganhos consideráveis para a cadeia logística e para a indústria, assim todas a entidades envolvidas tenham a força anímica para avançar com o projeto de uma vez por todas.”

No mundo atual, caracterizado do ponto de vista logístico pelo domínio das grandes cadeias de abastecimento globais, que operam numa lógica de interoperabilidade, os portos, sejam eles marítimos, fluviais ou até mesmo secos, são infraestruturas importantíssimas para o crescimento comercial e desenvolvimento económico dos países e respetivas regiões.
Basta olharmos para algumas das mais importantes metrópoles europeias para constatarmos que o seu florescimento se deveu em grande medida à existência de instalações portuárias, sendo que um dos exemplos mais emblemáticos é Roterdão na Holanda.
O porto desta cidade, o maior do continente europeu, ocupa uma área de 105 km2, movimentando em 2019 quase 15 milhões de contentores e representa 6,2% do valor acrescentado da Holanda, traduzindo-se nuns expressivos 45,6 mil milhões de euros. O porto de Roterdão, cuja fundação remonta ao século XIV, teve um contributo decisivo para o aparecimento, em 1602, da primeira empresa multinacional da história – a Companhia Holandesa das Índias Orientais. Por seu lado, inúmeras empresas multiplicaram-se pela cidade não só fruto do ambiente de enorme pujança económica decorrente da atividade portuária, mas também, pela proximidade a uma estrutura logística de grande porte que permitia o acesso e escoamento dos mais diversos produtos e matérias primas.
Em finais de 2021, o Governo aprovou a transferência da gestão do terminal ferroviário da Guarda para a Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo (APDL), sendo o primeiro passo para a criação do primeiro Porto Seco do país, empreendimento inicialmente orçado em cerca de 2 milhões de euros e que se traduz num “hub” interior que funciona como terminal de transbordo, entrega e receção de mercadoria e respetivos serviços aduaneiros.
Genericamente, esta será uma das mais emblemáticas e estruturantes materializações que poderão ditar o futuro competitivo da Guarda, muito para além do que aconteceu na década de 60 do século passado, com a instalação da unidade industrial da Renault neste concelho.
A localização geoestratégica deste território, onde se cruzam duas estruturantes vias rodoferroviárias e a proximidade da principal fronteira terrestre do país, constituem características únicas que potenciam o valor Guarda em termos logísticos, colocando-a num patamar ímpar comparativamente a outros aglomerados populacionais no país.
Importa, pois, que deixemos de olhar para esta área geográfica como interior e periférica, para passar a ser encarada como o novo litoral fronteiriço, porta de entrada na Europa e uma autoestrada aberta para um mercado de quase 747 milhões de consumidores.
Para a prossecução deste desiderato torna-se imprescindível uma articulação plena entre várias entidades, designadamente o Governo, a autarquia, os estabelecimentos de ensino superior, as empresas e respetivas associações empresariais, culminando no seu vértice com a APDL, a gestora daquela infraestrutura.
Exige-se, portanto, que a edilidade guardense tenha um papel preponderante nesta matéria, pois da sua ambição resultará o sucesso ou insucesso do projeto.
Atualmente, foi consignada a área adjacente à atual estação como espaço físico para instalação do porto seco, sendo que esta está limitada não só pelas habitações existentes nas redondezas, mas também pelas linhas ferroviárias instaladas no terreno, não havendo portanto grande espaço para que se possa expandir. Resulta então que a respetiva área designada para o efeito, ocupe atualmente cerca de 22 mil metros quadrados. com capacidade para parquear cerca de 400 contentores. A título de curiosidade comparativa, o navio porta contentores “Ebba Maersk” tem uma capacidade de carga de 14.770 daquelas unidades, ou seja, uma simples embarcação tem quase 37 vezes o volume inicialmente considerado para o porto seco da Guarda. Obviamente que ninguém esperará que a futura infraestrutura venha ter aquela capacidade de armazenagem, mas o valor de partida parece-me manifestamente pequeno para o potencial logístico da Guarda.
Se efetivamente queremos ter um papel de referência ao nível logístico e se assumirmos que o desenvolvimento estratégico e competitivo do nosso concelho passa inegavelmente por esta área, temos de pensar em grande e ter visão de futuro, evidentemente, dentro de balizas de racionalidade e à luz de critérios técnico-económicos que possibilitem o desenvolvimento sustentado do projeto.
Por outro lado, é fundamental pensarem-se os acessos à zona de armazenagem do futuro porto seco da Guarda, pois as vias rodoviárias atualmente existentes, bem como a respetiva área envolvente, com uma malha densa de edificações, cria entraves à livre circulação de camiões TIR, podendo colocar em risco a segurança e bem-estar dos moradores.
Em jeito de resumo, julgo que todos concordarão que a instalação do porto seco da Guarda pode traduzir-se no aumento da competitividade das empresas desta região, na atração de novos investimentos, na criação de emprego qualificado e na redução de custos de armazenagem e transporte de mercadorias, simplificando, do ponto de vista burocrático e logístico, a forma como se movimentam as mercadorias. Isto potencia ainda mais a ferrovia para que os operadores a utilizem em detrimento da rodovia ganhando assim outra preponderância. Na prática, o porto seco da Guarda será mais barato e mais eficiente para as empresas com ganhos consideráveis para a cadeia logística e para a indústria, assim todas a entidades envolvidas tenham a força anímica para avançar com o projeto de uma vez por todas.

* NR: Ricardo Neves de Sousa inicia nesta edição uma colaboração mensal com O INTERIOR. Tem 47 anos, é licenciado em Contabilidade e Auditoria pela Coimbra Business School, MBA em Empreendedorismo e Criação de Empresas, pós graduado em Engenharia, Gestão Tecnológica e da Inovação e doutorando em Gestão pela Universidade da Beira Interior, cuja tese “Inovação como factor de desenvolvimento territorial” se encontra em processo de elaboração. Foi durante vários anos consultor/formador em diversas áreas ligadas à gestão, em entidades públicas e privadas, tendo sido nos últimos anos auditor interno e diretor do serviço de Auditoria Interna em entidade pública ligada à área da saúde. Presentemente elabora projetos de investimento e candidaturas aos principais programas dos quadros comunitários em vigor. É deputado municipal e um dos coordenadores do grupo municipal do PSD na Assembleia Municipal da Guarda.

Sobre o autor

Ricardo Neves de Sousa

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