Depois da eleição de Trump como presidente dos Estados Unidos da América, do BREXIT e do crescimento generalizado dos partidos políticos de extrema-direita, muita da discussão pública concentrou-se intensamente no populismo e no autoritarismo.
O surgimento de candidatos, de partidos e de movimentos populistas e profundamente autoritários, e o seu posterior crescimento acentuado, desestabilizaram as democracias liberais em todo o mundo. O que caracteriza estes populistas, não só de direita, mas igualmente de esquerda, é o facto de simularem oposição ao “establishment”, servindo-se disso para proporem, sempre em nome do “povo”, políticas alternativas e conflituais, de índole nacionalista e autoritária.
Tendo em vista o alcance e a profundidade do retrocesso cultural que esses atores mobilizam e representam, há poucos indicadores de que o sucesso do populismo seja um fenómeno passageiro ou apenas ligado temporária e pontualmente a “votos de protesto”. Os demagogos autoritários reivindicam a candura de uma “verdadeira democracia” baseada em substratos étnicos, consolidaram-se como sérios contestadores da política e dos sistemas democráticos e das conquistas sociais que eles incorporam.
Privilegiando as polarizações políticas e as crises de legitimidade democrática, e aproveitando como ninguém cada um dos erros ou equívocos que sempre ocorrem nos sistemas de governação, esses indivíduos ganharam espaço na opinião publicada e alcançaram o centro da vida política e do debate nas democracias europeias.
O seu sucesso eleitoral e a crescente alavancagem que conseguiram na evolução das grandes decisões políticas levantam questões fundamentais sobre as origens, a dinâmica e a atração desse fenómeno político na atualidade – mas também sobre a persistência ou recorrência de um apelo autoritário, mesmo dentro das democracias constitucionais relativamente bem consolidadas.
Algumas das causas do surgimento destes movimentos, que parecem estar prontos para uma revolta autoritária, antiliberal e antidemocrática, encontramo-las desde logo na falência de um sistema caracterizado por uma democracia liberal que assenta na representatividade das elites, mas à custa de numa falta crónica de transparência de todos os atos públicos. Isto mesmo é apontado pela própria União Europeia no chamado Livro Branco, chamando adicionalmente a atenção para o crescendo do enorme fosso entre ricos e pobres, e para a incapacidade dos governos em responderem de forma pronta aos legítimos anseios das populações, estando antes prontos a salvarem bancos e a punir por isso os contribuintes, a desresponsabilizarem e protegerem de escrutínio e censura os vários poderes do executivo, legislativo e judicial.
A corrupção que alastra – até nos países tidos originalmente como relativamente imunes a ela – é cada vez mais impune e esconde-se nos escombros de uma sociedade corroída pela ganância e pelo lucro fácil. Face a este pântano, o povo, cada vez mais descrente na ação governativa, vai acreditando nos falsos profetas que vão ocupando o espaço aberto pelo desespero. Importa por isso que os cidadãos sejam, cada vez mais, chamados a exercer, responsavelmente, o seu direito de cidadania na sua plenitude. É que já não é o liberalismo que é colocado em risco pelo populismo, mas a democracia em si. O liberalismo é a base da nossa democracia, mas a democracia é em si mesma a base da nossa civilização.
Já Platão dizia que o preço a pagar por cada um de nós pela nossa não participação na política seria o de sermos governados por quem nos é muito inferior…