Política à portuguesa

“Se a esquerda não se entendeu para governar o país, a direita não se entende para se governar a si própria.”

Os partidos da esquerda portuguesa, juntos, detinham a maior maioria de sempre na Assembleia da República. De forma irresponsável decidiram “zangar-se” com António Costa e não aprovar o Orçamento de Estado (OE) «mais à esquerda» que lhes foi proposto – sobre o conteúdo ser mais ou menos à esquerda que os anteriores já todos ouvimos as explicações dos especialistas, agora, o que nos resta, é ir a eleições. Desde 2015, Bloco e PCP aprovaram orçamentos restritivos e condicionados pelas regras da Troika, do Tratado Orçamental e dos condicionalismos das circunstâncias da crise financeira. Para o OE de 2022, menos restritivo e muito mais social e “amigo” dos que mais precisam, Bloco e PCP não só não aprovam, como decidiram votar contra. E passar a culpa para o Presidente da República é anedótico, pois antes de decidirem chumbar o OE, Marcelo tinha avisado que em caso de chumbo do Orçamento convocaria eleições – ou seja, é patético posteriormente virem acenar com outras soluções ou referirem que o presidente podia escolher outros caminhos. Não podia, e foi coerente: avisou das consequências da irredutibilidade dos partidos de extrema-esquerda.
As eleições são uma oportunidade de esclarecimento sobre como os portugueses valorizam o governo. E são a forma correta de interpretar a vontade dos cidadãos. Marcelo Rebelo de Sousa avisou antecipadamente que esse seria o caminho se a esquerda não continuasse unida no apoio parlamentar ao governo. E os partidos foram irresponsáveis.
Perante a falta de sentido de Estado de Bloco e PCP, que pagarão caro a sua insensatez, esperava-se que a direita viesse dar uma prova de sentido de Estado e elevasse o debate político aparecendo aos portugueses como uma alternativa credível. Aquilo a que assistimos nos últimos dias mostra o contrário: Rui Rio e Francisco Rodrigues dos Santos montaram um circo esquizofrénico à volta do debate interno no PSD e CDS de consequências desastrosas.
Como escreveu Rui Tavares (“Público”), a política portuguesa está «em estado de desgraça». Se a esquerda não se entendeu para governar o país, a direita não se entende para se governar a si própria. A “geringonça” matou a “geringonça” e Rui Rio e Francisco Rodrigues dos Santos estão a matar a possibilidade de haver uma alternativa a António Costa.
Compreende-se que depois de anos na oposição, Rui Rio queira tentar uma oportunidade de chegar a primeiro-ministro; é razoável que Francisco Rodrigues dos Santos queira agarrar a oportunidade de ser deputado depois de anos a aguentar-se em pé à frente do CDS. Mas quando o Bloco e o PCP decidiram chumbar o OE2022, Paulo Rangel e Nuno Melo já tinham anunciado que seriam candidatos à liderança dos respetivos partidos nos congressos que deveriam ocorrer até janeiro, adiantar o debate interno, contribuir para cimentar uma alternativa, promover um nome aglutinador à direita deveria ser o caminho. Ao escolherem agarrar-se ao poder e impedirem a democracia dentro dos seus partidos escolheram o pior caminho e perderam toda a razão. Até poderiam ser as melhores opções no PSD ou no CDS, mas deveriam ver sufragado esse caminho. Ganhariam a confiança dos seus militantes e o apoio da direita portuguesa. Assim, o PS mesmo com o desgaste de seis anos de governação, aparece como o único partido confiável. Depois de quase dois anos de pandemia, o pior que nos poderia ocorrer era não haver alternativa na democracia portuguesa e António Costa não ter opositor respeitável credível.
Muito para além das escolhas individuais, os portugueses mereciam mais, mereciam que os partidos tivessem a elevação, o sentido de responsabilidade e o sentido democrático que o momento exige. Ou, como disse João Miguel Tavares, ninguém vota em dois cobardes para tomar conta do país, que é como os portugueses olham para Rui Rio e Francisco Rodrigues dos Santos neste momento. O PS agradece.

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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