No momento em que damos por cumprido o ano do cinquentenário de vida literária do multímodo e galardoado escritor Mário Cláudio (Prémios “Pessoa 2004”, Grande Prémio de Romance e Novela da APE/DGLAB (1984, 2014), “Vergílio Ferreira e Fernando Namora 2008”, etc.,etc. ) – porventura um dos mais prolíferos e originais criadores literários portugueses dos últimos tempos – tenta-nos a enganadora sensação de que já tudo foi feito e dito sobre o poeta, ensaísta, cronista, dramaturgo e romancista. Desde a condecoração do Presidente da República, o doutoramento Honoris Causa outorgado pela Universidade do Porto, as inúmeras conferências – este vosso servidor foi honrado ao ver a sua poesia, que surgiu também sob a égide criadora de Mário Cláudio – ser debatida num ciclo poético dedicado a autores nascidos na década em que o autor de “Amadeo” (1984) se iniciou no mundo da letra redonda (com o poemário “Ciclo de Cypris”, 1969).
Até aqui, o que mais me espantava em Mário Cláudio, além da expressividade originalíssima da sua escrita – em qualquer dos vastos campos literários onde espraiasse o seu talento – era o facto de não se resignar ou acomodar a formas e muito menos a fórmulas e cada livro seu começa sempre por nos prender pela criatividade, pela busca permanente do elemento inovador dentro de uma complexidade construtiva que não rebusca mas adensa e que põe a nu tanto escrevinhador de fancaria, que alcançou o estrelato sem que percebamos porquê. Verdadeiro humanista do nosso tempo, até aqui eu admirava o douto perscrutador de todas as manifestações criadoras – interessou-lhe Júlio Pomar, Júlio Resende (cuja exposição retrospetiva, nunca realizada, ainda há pouco voltou a reivindicar), Amadeo (uma das suas obras mais lidas na Europa), a violoncelista “Guilhermina” [Suggia] (1986) e até uma artesã de Barcelos – “Rosa” (1988) a – estes três últimos reunidos em “Trilogia da Mão” (1993, 2ª Ed. 2019). E se “Tiago Veiga, uma biografia” (2011) revela a genialidade da criação sublime, personificação de um perfil alter-biográfico (obra precedida de “Os Sonetos Italianos de Tiago Veiga 2005)” raiando por vezes a heteronímia – aliás, Veiga teria sido amigo do próprio Pessoa – eis-nos perante uma das verdadeiras joias da literatura portuguesa contemporânea. A “biografia” em apreço dessa «figura pouco favorecida pela notoriedade», isto é, avesso a dar justa dimensão ao seu talento, poeta cuja existência efetiva se atesta mais na primorosa narrativa de Cláudio do que nos assentos cartoriais e registos fotográficos alegados – por muito verosímeis que os mesmos nos sejam asseverados – só pode ser entendida que tiver a ventura de conhecer o biógrafo. De facto, não obstante Mário Cláudio ter o reconhecimento que tem, é fora de dúvidas que nada fez ou faz para se projetar para além da sua grandiosidade intrínseca; jamais procurou a notoriedade fora do simples gosto de escrever e será, assim, dos poucos escritores cuja genialidade anda arredia dos meios que projetam e promovem a literatura como (mais) um produto da sociedade capitalista. Como dira António Ramos Rosa, «Vive-se quando se vive a substância intacta» e o escritor de quem nos ocupamos frui a vida como um “PoeMário”: eis o que mais admiro nele: a limpidez do seu olhar sobre o mundo atual, envolvendo-se, comprometendo-se, sem os distanciamentos diletantes, tornando-o melhor sem eremitismos ridículos, seja nas “Redes Sociais” ou na conversa fraterna. Ou mesmo convocando os seus filhos espirituais – os poetas que dele beberam toda a sabedoria possível – para tertúlias naquela catedral de singeleza e sabedoria que é o Centro de Estudos Mário Cláudio”, de Venade… Onde revelara que haviam sido descobertos poemas inéditos de Tiago Veiga e que – oh, ventura tamanha! – verão a luz do dia em breve. E ali ficámos, a ouvir o Mestre, sem querer arredar pé, porque o poema está vivo e a sua vivência deixa-nos vivos… Obrigado, Mário, pela vida!
* Escritor