Pluvioso

“Todos os líderes políticos, da esquerda à direita, com excepção dos comunistas e da IL, começaram a sua campanha – após uma breve aparição em locais estratégicos – no chamado interior. A mensagem é clara. É como se dissessem: vamos já tratar dos círculos “pobrezinhos” no início da campanha e deixar “os que interessam” lá para diante, quando as coisas aquecerem.”

1. Durante a recente campanha, a esquerda clássica entrou em modo “não passarão”. Um clássico. O objectivo era assustar o povo “inculto” e “oprimido” (e que nunca viu o filme “Dr Jivago”, acrescento) com um catálogo de malfeitorias que os íncubos e súcubos da direita irão praticar, para castigar o país e os “direitos”, caso cheguem ao poder. No fundo, uma variante do tele-evangelismo, acenando com os suplícios do inferno, caso a virtude revolucionária não triunfe entre os crentes. Ou dos infames vendedores de indulgências. Claro que os educadores do povo – como Rosa Mota, Valter Hugo Mãe, os prof. Rosas e Boaventura e os insignes subscritores dos abaixo assinados avisando a populaça para os perigos do “neo liberalismo” – já estão num plano superior de ilustração e entendimento. São os vigias no cesto da gávea, perscrutando o horizonte em busca de ciclópicos monstros marinhos. Representam o protótipo do “intelectual regressivo”, como bem escreveu Paulo Tunhas. Alucinados com utopias miríficas, mas regredindo, em matéria de pensamento, ao grau zero. Prefiro beber um bom vinho, desfrutando o horizonte. Sorrir timidamente, por causa da pulsão enigmática da esquerda em mudar a natureza humana. Sorrir abertamente, ao perceber que já não preciso de falsos ídolos, nem sonhos conspurcados. Sorrir para o mundo, lembrando que a marcha da história é alheia a constrangimentos igualitários, ou a pulsões dialéticas. Sorrir ainda mais, ao descobrir que ser de direita não é uma opção política, mas uma inevitabilidade. E rir com prazer, ao recordar que, ao contrário do que dizia Rousseau, o Homem não é naturalmente bom. O Homem É.
2. Todos os líderes políticos, da esquerda à direita, com excepção dos comunistas e da IL, começaram a sua campanha – após uma breve aparição em locais estratégicos – no chamado interior. A mensagem é clara. É como se dissessem: vamos já tratar dos círculos “pobrezinhos” no início da campanha e deixar “os que interessam” lá para diante, quando as coisas aquecerem. Maior desconsideração seria impossível. Coragem seria escolherem a Guarda, Bragança, ou Portalegre, ou Beja, para os comícios de encerramento. Seria um sinal inequívoco das suas prioridades. Demonstrava uma visão de futuro, um olhar para o país como um todo. Porém, as comitivas das candidaturas escolheram as zonas mais densamente povoadas para os últimos cartuchos da campanha. Andavam todos pelos mesmos sítios, por vezes cruzando-se. E no meio disto, falavam em regionalização!
3. Ricardo Araújo Pereira não convidou Ventura para o seu programa da SIC. Foi o único dos líderes partidários excluídos de participar nas entrevistas. Já sabíamos que o presidente do Chega é o ódio de estimação do humorista. Ok. Um humorista tem sempre os seus alvos e os seus temas. O problema é quando ambos se confundem, com consequências fatais. Como agora aconteceu. Vamos supor que o alvo de RAP é o populismo. Certo. Mas se assim é, porquê o tema ser sempre Ventura e nunca o igualitarismo demagógico da esquerda leninista? A resposta não é difícil. Quando um humorista quer ter piada a qualquer custo, torna-se um piadista. Quando se torna, ele próprio, a piada, passa a bobo da corte. Mas quando os limites do seu humor não são definidos pelo alvo, mas pelo tema, torna-se o entertainer do regime. E um mau profissional. Neste caso, promovendo até quem quis excluir. Ventura agradeceu a distinção.
4. A comunicação política está cada vez mais profissionalizada, concebida a pensar nas televisões. Para perceber como, basta observar as acções de rua dos grandes partidos: coreografadas até ao pormenor. O discurso político, embora urdido com base numa retórica pujante, perdeu o tom épico de outros tempos. Está mais enxuto, mais técnico, menos emotivo e mais persuasivo. Também a linguagem gestual está padronizada. Há um certo número de movimentos corporais que são universais, num político profissional. Até parece que foram, todos eles, aconselhados pelo mesmo consultor de imagem. Por exemplo, aquele movimento em que, durante uma intervenção oral, os antebraços, rigorosamente paralelos entre si e ao tronco, se movem para cima e para baixo, de forma cadenciada. As mãos estão estendidas para a frente, com os dedos separados. A espaços juntam-se no colo, com os dedos unidos. Os especialistas afirmam que o gesto sugere autoconfiança. É possível. Mas se todos fizerem o mesmo, perde-se o efeito comunicacional.

* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

Sobre o autor

António Godinho Gil

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