À semelhança de todos os conceitos, o de virtude também não escapa aos acasos de cada época: o que num tempo é vulgar, no outro passa a extraordinário. Só assim se compreende que, em pouco mais de uma década, percorrêssemos o caminho desde a estroinice até à categoria de bons alunos para, a partir daí, chegarmos à de sovinas. O que só prova como a distância entre conceitos, de tão curta e aleatória, acaba mais por nos confundir do que por nos orientar. Por isso talvez não seja completamente despropositado que, de vez em quando, sejamos acometidos pela militante recusa em aceitar qualquer coisa que nos queiram impingir. Facto que, não acarretando ao mundo mais mal do que o que já tem, também não acrescentará nada ao que lhe falta. Ou, pelo menos, não acrescentará nada ao que cada um não tem. Porque, como escrevia o outro, estas coisas, do ter ou não ter, ser ou não ser, vêm de berço e, contra berços, não há quem se aguente. Mas como, para o caso, perorar muito sobre este assunto também nos não adiantará de nada, atenhamo-nos antes na “poupança” que é uma coisa que podendo ser herdada, tende mais a ser manipulada.
Aparentemente, a não ser para Natalia Ginzburg, que a considera pequena, ser poupado deveria ser uma das nossas grandes virtudes. Poupar dinheiro evitar-nos-ia preocupações financeiras, poupar nos sapatos livrar-nos-ia de muitas canseiras e poupar palavras, por exemplo, robusteceria a nossa sanidade mental e, eventualmente, a dos que nos ouvem. Contudo, embora essa seja a única Natalia que conhecemos a justificar, razoavelmente, essa sua convicção, se repararmos bem, não falta quem nos queira convencer de que ser poupado não é nada bom e ser somítico é ainda pior. Sendo que, neste aparente paradoxo e enquanto assumidos amantes da disseminação do horror e da desgraça, dependendo dos dias, tanto nos acusam de perdulários como de somíticos. Aqui a pergunta que deveremos fazer não será a de que dias são esses, mas sim a de a quem pertencerão esses dias, se queremos deslindar o mistério da poupança que ora é boa, ora é do pior. Isto porque para qualquer um de nós, a não ser em caso de morte ou sorte, os dias nunca diferem muito uns dos outros, mas o humor dos seus verdadeiros donos sim. Quando julgam os cofres cheios, sentem-se bondosos, magnânimos e dizem-nos que podemos gastar como se não houvesse amanhã, quando dão pelos cofres vazios, atiram-nos com a culpa por não conseguirmos respeitar os limites do que nos é permitido gastar.
Concluindo: ser de Direita ou de Esquerda, acumular a riqueza em alguns ou redistribui-la por todos, dependerá mais do que se tem nos cofres do que das convicções políticas dos atuais protagonistas governativos. Só assim se compreenderá que uma coligação, dita de Direita, se mostre tão satisfeita por querer fazer de conta que está a implementar medidas que sempre criticou na Esquerda. Se o impacto das mesmas será semelhante e evidente em todas as camadas da população, ou nas que mais precisam, é que já será outra conversa.
Pequenas virtudes
“(…) ser de Direita ou de Esquerda, acumular a riqueza em alguns ou redistribui-la por todos, dependerá mais do que se tem nos cofres do que das convicções políticas dos atuais protagonistas governativos. “