Pedro e a estética

Escrito por Joaquim Igreja

1. Quase crucificaram o rapaz por não corresponder aos cânones da beleza. Ricardo Araújo Pereira apontou-lhe o lábio metido para dentro mas aquilo que ele dizia (o lábio deixava-o articular bem) era bem estruturado e claro. António Costa, alarmado com o “alarme social” à volta do seu escolhido, andou sempre à frente dele. Mas não havia necessidade. O episódio trouxe para a esfera pública aquilo que já se sabia: é preciso comunicarmos bem para sermos entendidos, mas é preciso também termos boa aparência se queremos atrair as boas vontades. Boa aparência é aqui aspeto padronizado e “esperável”, ou seja, dentro dos modelos em vigor e com um bom toque pessoal. Quando o socialista Pedro Marques pretendeu ir além da chinela (dançando, por exemplo), só ajudou quem queria rir.
A avaliação estética passou a fazer parte do funcionamento social e não seremos os mesmos (embora alguns nos tentem convencer disso) se tivermos uma cara bonita ou se criarmos nem que seja um bocadinho de repulsa por uma coisa de nada, uma verruga, um tique ou uma posição pouco ortodoxa. Também interessa o que vais dizer mas interessa mais como o vais dizer e a cara com que o vais dizer. Por alguma razão a imagem domina a exposição das pessoas em eventos como as campanhas. Estas passaram a ser grandes operações de charme e a composição das imagens e a sua montagem marcam essas operações de ludíbrio que alcunhamos de verdade.
Catarina Martins é, neste campo, um fenómeno de marketing que vale a pena analisar. Depois de uma entrada em cena há uns anos em que ia perdendo o rumo do barco (BE), esta mulher de meia-idade, atraente, afirmou-se comunicativamente como a mais preparada no contacto com os jornalistas e até com o público ou os seus colegas deputados. Os seus dotes de atriz, girando a cabeça em todas as direções e projetando a voz de maneira assertiva, com uns tremidinhos aqui e acolá para mostrar emoção, facilitam-lhe a tarefa de convencer ou de pelo menos impressionar um eleitorado aberto à inovação e ao sentimento de justiça. Mas também tanto encanta como cansa. Tem de tomar cuidado, já que neste partido o seu discurso apenas acentua a ideia do que as pessoas desejam ouvir e de que só tem para dar e nada para exigir, não arriscando nem um dedo à chuva.
Rangel é o protótipo daquele que atirava pedras e depois fugia. Tanto agrediu Pedro Marques de maneira gratuita, desprezando o conhecimento de um político com muitos anos de governo, que a certo ponto lhe puxaram pelo braço dizendo que atirar pedras podia levar a que elas caíssem em cima dele próprio. Mas a tónica azeda e agreste de Rangel não se apagou e colou-se a ele como a sua faceta “natural”. Falar sem agredir tornou-se inócuo para Rangel, que não tem experiência de executivo para mostrar. Do lado de Cristas, também não estamos preparados para uma mulher tão agreste e muitas vezes objetivamente injusta, habituados que estamos a mulheres “cuidadoras” e maternais. Cristas é dura, mesmo quando arranca e desfolha um nabo ou ensaca uma taleiga de batatas. Não é isso que se espera de ti, Assunção. Assim não vais longe.
João Ferreira e Marisa Matias são os antípodas um do outro. Marisa aparecia nos cartazes numa pose superior, mas “lado a lado”, tal Jesus Cristo no meio dos apóstolos, faltando-lhe apenas a auréola. Os votantes veem bem as mulheres de meia-idade na política, determinadas, mas sem ultrapassarem os limites do “convencimento”. Marisa cativa. No caso de João Ferreira, é um exemplo de singular timidez e seriedade a mais, frieza e dureza às vezes mesmo. Quem te aponta para líder do PCP não tem razão, não vais lá. Valeu a bonomia do Jerónimo de Sousa, sempre pronto a conciliar e a adoçar as afirmações de Ferreira.
Não era necessário dizê-lo mas a beleza é fundamental num mundo capitalista em que o individualismo subiu a tal ponto que não é possível uma afirmação social e política sem uma afirmação pessoal em que o estético também entre. Cada pessoa procura o “seu” caminho entre os modelos existentes, escolhendo, somando, fundindo. Saber o que esperam de nós, juntar isso ao que nós somos, olhar para o imaginário social, escolher enfim, eis as fases da nossa escolha de imagem. Tudo numa lógica de consumo, de atenção aos diktats da moda mas guardando a distância dos padrões que só nós conhecemos como certa.
Quanto a Pedro Marques, uma operação estética resolve facilmente o problema e cala as bocas do povo. Não foi o que fez o Héctor Herrera, do F. C. Porto, que ficou muito mais “aceitável” a pretexto de uma operação ao nariz e às orelhas? Vamos lá, Pedro Marques?

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Joaquim Igreja

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