Governantes, activistas e outros patuscos concordam que os próximos Censos à população deveriam incluir uma pergunta sobre a pertença étnica. Se essa pergunta me for feita, estou indeciso em que categoria me deverei incluir. Afirmarei “mediterrânico”, por causa dos olhos pretos, da altura abaixo da média, e de mexer as mãos enquanto falo? Deverei responder “judeu”, por causa do meu cabelo encaracolado, do nariz grande, e das origens beirãs? Ou “panda”, por causa da minha figura badocha, de passar o tempo sentado, e da patente dificuldade em acasalar e reproduzir?
Note-se que estas hipóteses são independentes dos seguintes factos: só estive uma vez à beira do Mediterrâneo, não frequento sinagogas e raramente como bambu. Hoje, a identidade, mais do que o Natal, é o que uma pessoa quiser, se uma pessoa, claro, quiser ter identidade. Dizem os activistas de hoje que o género é uma escolha individual, a etnia é uma pertença colectiva. Talvez por isso eu tenha mais certezas sobre o meu género – por causa da masculinidade tóxica e da atitude de dominação patriarcal que me caracterizam só por usar camisas com botões do lado direito – do que sobre a minha etnia – ver dúvidas no parágrafo anterior.
O mais desconcertante destas propostas é chegarem do lado esquerdo do espectro político. Em menos de dois séculos, os pós-modernistas transformaram a frase “proletários de todo o mundo, uni-vos” em “malta de todo mundo, dividi-vos por formas e cores”. A luta de classes é agora uma luta corpo a corpo. Como a pergunta é parva, não entro em lutas, e o corpo é a mercadoria do capitalismo, na altura dos Censos vou responder “francês”.
* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia