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Escrito por António Ferreira

«É que o sujeito, o protagonista da escrita, aquele que tem de ser respeitado não é quem escreve: é quem lê»

Fazer as coisas de uma maneira previsível é uma forma de garantir a boa comunicação. É por isso importante a uniformização da ortografia, por exemplo, e o respeito por algumas regras básicas. É importante determinar com precisão no texto que a palavra fato se refere a roupa e não a um dado da experiência, sem termos de nos socorrer do contexto em que é utilizada. É irónico que esta ambiguidade tenha sido criada precisamente a pretexto da uniformização da ortografia, o que é uma contradição nos próprios termos. É o mesmo que inventar uma vacina contra a Covid-19 que provoca a doença em vez de a prevenir.

Outra irritação tem a ver com as datas. Na escola aprendi a escrever as datas no formato, quando não por extenso, dia-mês-ano. É a forma natural de abreviar a data, e por isso tanta gente a usa. Havia, e há, quem escrevesse os quatro dígitos do ano, e quem os resumisse a dois. E há quem prefira o formato ano-mês dia ou, até, ano-dia-mês. Todos esses formatos têm sentido, mas desde que quem lê não tenha dúvidas sobre o dia exato em que se esgota um prazo ou se inicia outro ou acontece algo, caso desconheçamos a convenção utilizada por quem escreve. Por exemplo: 2021-23-12, escrito num formato pouco comum na Europa, só pode querer dizer 23 de dezembro de 2021. Não há aqui qualquer ambiguidade, mas o mérito é da data concreta (2021 só pode ser ano e 23 só pode ser dia) e não do formato. Já 01-02-03 levanta mais dificuldades: falamos de 1 de fevereiro de 2003 ou de 3 de fevereiro de 2001? Ou será 2 de março de 1901? Todos estes formatos têm algum sentido, salvo, nos tempos que correm, em que o espaço em disco é barato, a redução do ano a dois dígitos. A colocação em primeiro lugar do ano permite mais facilmente a ordenação dos dados: numa lista de faturas numa pasta do computador, a fatura emitida em 01-02-2021 antecede imediatamente a fatura emitida em 02-02-2019, em vez de anteceder, por exemplo, a fatura de 05-02-2021 – o que pode dificultar encontra-se um documento concreto. Já no formato ano-mês-dia, perdendo-se a transposição para formato abreviado da linguagem natural, garante-se a ordenação cronológica dos dados. Esta seria uma forma mais inteligente e eficaz de comunicação da data, sobretudo assegurando a indicação do ano em quatro dígitos e resolviam-se muitos problemas.

Irrita-me ainda que se escreva “1º” pretendendo-se dizer “primeiro” quando na realidade se escreveu “um grau”. “Primeiro” escreve-se “1.º”, como forma de eliminar a ambiguidade. Os numerais devem escrever-se por extenso de um a nove e em numerais de 10 em diante, por uma questão de legibilidade. A vírgula e os outros sinais de pontuação não devem ter espaço antes das palavras que os precedem, como erradamente fiz aqui, para evitar o risco de ficarem isolados numa translineação. O mesmo com os parênteses: não há espaço a seguir ao parêntese de abertura nem antes do parêntese de fecho ( como escrevi erradamente aqui ), também para evitar o seu isolamento na translineação (quer as vírgulas ou outros sinais de pontuação, como os parênteses ou as aspas, devem ser ligados, conforme o caso, às palavras que os antecedem ou precedem, como se fizessem parte delas).

Outra irritação, e fico-me por aqui, é a multiplicação de tipos de letra num texto. Pode haver um tipo de letra para os títulos e outro para o texto, eventualmente outro para as secções ou capítulos, mas chega! E deixem-se de góticos e tudo o que não seja perfeitamente legível. É que o sujeito, o protagonista da escrita, aquele que tem de ser respeitado não é quem escreve: é quem lê.

Sobre o autor

António Ferreira

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