A Lúcia era caixa num supermercado e conheceu o Epifânio porque ele várias vezes fez as compras na última hora e esperou por ele. Viera para Lisboa trabalhar com a vontade de fugir à terra. O único destino que não se desejava era o de amanhar o chão. “Eu odeio a lavoura” – disse-me.
“Vivi no campo entre bêbedos, com muita gente pouco cuidada, com as palmas das mãos ásperas. Não digo que não houvesse gente muito limpa também, mas a terra entra debaixo das unhas, entranha-se nos sapatos, o cheiro dos animais agarra-se-nos, as uvas marcam os dedos.
Eu usava os cabelos num lenço, ia com a minha mãe e cumpríamos a jorna das quintas. Mas cansei. Eu gostava das meninas, das filhas das senhoras. Chegavam no carro e enchiam os campos de perfume.
Olhava para elas com alguma inveja. Mas a verdade é que os homens também me achavam bonita. Fui a cobiça de muitos e a inveja de pelo menos uma das patroas. Um dia mandaram-me embora porque o patrão não tirava os olhos do meu rabo. Vim para o supermercado trabalhar e conheci-o. Amei-o”.