À hora a que escrevo esta crónica, o primeiro dado a reter é a elevada taxa de abstenção. A confirmar-se que cerca de metade da população não votou, é a derrota em toda a linha dos pressupostos de uma democracia saudável. Nunca houve tão grande oferta eleitoral numas eleições e nem assim a abstenção deixou de crescer… E nem a praia é desculpa!
Cada um pode cantar a sua vitória, mas a verdade nua e crua é que nunca poderá dizer que tem o apoio que formalmente reclama. Os políticos, sobretudo nos maiores partidos, não conseguem perceber que a democracia representativa está longe, muito longe, de responder aos legítimos anseios dos cidadãos.
O que se discutiu nestas eleições legislativas de 2019? O clima? Os animais e os seus direitos? A Educação? A Saúde e o seu estado caótico? A sustentabilidade da Segurança Social? A grave crise económica que se aproxima a passos largos?
Porventura, discutiu-se tudo isso e até muito mais. Mas, como está visto, não chegou.
A culpa não foi certamente apenas dos políticos da arca de Noé. A comunicação social, quase toda ela disposta a alinhar com o circo em que se transformou a política, terá também as suas responsabilidades. De facto, ao não ser suficientemente informativa e pedagógica, tornando-se por vezes cúmplice e dependente da política espetáculo, afastou ainda mais os eleitores da consciência de que as suas próprias escolhas trazem sempre – a prazo – algum tipo de fatura agarrada.
O PS, à hora em que escrevo, não terá maioria absoluta. O PSD, vindo de uma crise autofágica, conseguirá sobreviver. O CDS terá um dos seus piores resultados de sempre. O BE será a prova de que um pacto com António Costa não explica todo o definhamento a que a CDU se sujeitou. O PAN será uma lição para aqueles que, com razão ou sem ela, acham que despeitar e escarniar quem pensa diferente é que está bem. Os pequenos partidos, esses, vieram para ficar e muito provavelmente crescer.
Ou seja, não é por falta de partidos que o Parlamento será pouco democrático. O problema estará sempre na tal abstenção e na reflexão que ela suscita. E na necessidade de o PSD, o maior partido da oposição, perceber de uma vez por todas que o BE não invocou por acaso uma costela social-democrata, e que precisa de 116 deputados para voltar a governar. Para isso, tem de arrumar a direita e construir um bloco político alternativo ao BE. Até uma criança é capaz de entender isso. Mas será que Rui Rio, com novo fôlego para se manter mais uns anos como líder, conseguirá aceitar que a vocação do seu partido é liderar um espaço político a que ele nega pertencer? Ou, depois, impô-la aos seus militantes? Digo isto porque uma oposição credível como projeto de poder, com o PSD ao leme, seria sempre um importante fator de diminuição da abstenção, em contraponto a esperança nenhuma.
Na esteira de tudo isto fica a imagem de um CDS alucinantemente trucidado, um partido que não existe sociológica e ideologicamente, um ajuntamento de gente que vive em negação em relação às mudanças que condicionam as ambições e expectativas das pessoas. Do outro lado da moeda, o BE exigirá ao PS medidas que colidirão com as exigências e os filtros de Bruxelas. No limite, chegará o dia em que terá de derrubar o Governo ou ficará sem qualquer utilidade para o eleitorado. O PCP junta ao problema oligárquico das suas elites a promessa de um destino semelhante ao dos seus antigos congéneres europeus, a consumar na proporção direta do seu eventual apoio a orçamentos impostos por Bruxelas.
Quando olho para tudo isto e comparo com aquilo que já vivi, e lhe adiciono o que de mau pressinto que está para vir, percebo que afinal não aconteceu nada de tão transcendente. No essencial, se pensarmos bem, pouco mudou. Os mesmos de sempre vão continuar a mandar nas nossas vidas. E a convencer-nos que uma ida às urnas é um ato de libertação…