Os que se vão embora

Escrito por António Ferreira

Agora são os nossos filhos, os filhos dos poucos de nós que ficaram, e a percentagem dos que se foram ou querem ir embora é ainda maior do que há 20, 30 e 40 anos.

Acabou a campanha, houve eleições e temos nova vereação e novo presidente. Na campanha ouvimos as banalidades do costume e assistimos a alguns dos debates mais pobres de ideias de que há memória. Mesmo os adeptos de um ou outro, quando queriam elogiar o seu candidato, falavam do “discurso coerente”, da “serenidade” — enfim, sempre da forma e nunca da substância. Porquê? Porque não havia substância, só fachada, como a fachada do Hotel de Turismo, pintada há oito anos e depois esquecida.
Falou-se nos debates da questão da fatura da água e dos muitos milhões da dívida à Águas de Portugal. Quem tinha responsabilidades trocava os pés pelas mãos e a mão direita pela esquerda: que a fornecedora devia 10 milhões pela utilização das infraestruturas, sem explicar de onde vinha esse valor e onde estava a ser reclamado, para depois o descontar sem mais na dívida; que da governação socialista vinha já uma dívida grande, e esta sem o crédito da utilização das infraestruturas. Tudo isto sem explicar onde foi gasto o dinheiro que os munícipes foram pagando pela água que consumiram. Alguém disse que foi em festas e rotundas, mas custa a acreditar: são muitos milhões para rotundas e festas que não parecem valer tanto.
Falou-se ainda dos muitos postos de trabalho que vão chover sobre o concelho, uns para fábricas, outros para o futuro hospital privado e lar da terceira idade. Quanto a este último, uma vez que o PSD perdeu as eleições e quem ganhou não parecia muito de acordo, subsistem as maiores dúvidas. Esperemos para ver o que pretende fazer o novo presidente em relação aos compromissos tomados pelo seu antecessor.
Nada se disse em toda a campanha sobre um dos maiores problemas da Guarda e de todo o interior: a fuga dos nossos jovens para o estrangeiro ou para o litoral. Isto vem de há muito, e já no meu tempo de estudante era bem visível: dos que foram para a universidade quando eu fui muitos não regressaram. Vemo-los agora de vez em quando, quando nos vêm visitar: O Rogério Pires, a Isabel Mateus, os irmãos Barreto Xavier, os irmãos Rafael, os irmãos Rêgo e tantos outros, de que cada um se recordará quando pensar nos amigos e conhecidos da sua infância e juventude.
Agora são os nossos filhos, os filhos dos poucos de nós que ficaram, e a percentagem dos que se foram ou querem ir embora é ainda maior do que há 20, 30 e 40 anos. A população envelhece por isso, pela fuga dos jovens, e empobrece porque são os licenciados, aqueles em quem mais investimos, que vão embora e fogem deste lugar sem promessas por que valha a pena esperar. Aqui, para trabalhar, só se for na função pública, que emprega uma percentagem demasiado elevada da população ativa, ou pelo salário mínimo nas empresas e instituições privadas.
Entre os meus filhos, os meus sobrinhos e os filhos dos meus amigos serão muito poucos os que vão regressar da universidade e não serão festas e rotundas que os farão mudar de ideias, ou empregos que valem pouco mais do que o salário mínimo, e ainda menos as obras e promessas de obras (que são adiadas de eleição em eleição).
Este concelho está demograficamente doente há décadas e ninguém teve nesta campanha eleitoral uma palavra sobre isso que merecesse ser ouvida. Vai continuar a haver eventos e vão ser enfeitadas rotundas, vai gastar-se dinheiro em obras, umas mais faraónicas do que outras. Tudo para os nossos filhos verem quando passarem por cá de vez em quando, no Natal ou em funerais e casamentos.

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António Ferreira

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