Os professores ainda fazem falta?

Escrito por Cláudia Guedes

“Por isto, e por muito mais, ouçam-nos. Respeitem-nos. E porque a situação é mais do que grave, os professores estão na rua e vão continuar a lutar.”

As escolas assistiram, em novembro, ao arranque de um período de greves, conflitos, fruto da insatisfação dos professores. Muitos poderão perguntar o porquê. As reivindicações não são novas. A proposta da municipalização do ensino foi a gota de água. A greve é a manifestação pública de repúdio pelas políticas educativas que têm vindo a pôr em causa o valor da educação e a qualidade da escola pública que deve primar pela justiça e pela equidade. Os professores estão disponíveis para explicar a todos por que razões estão tão revoltados.
Os professores não podem validar qualquer colocação na escola que seja feita por outro critério que não o da graduação em concurso. Assim como não podem aceitar qualquer influência dos diretores na contratação dos professores. Não podem aceitar a municipalização da educação e a contratação de docentes segundo critérios subjetivos e sem o rigor da qualidade. Fala-se na criação de Quadros Intermunicipais (CIM), equipas de diretores responsáveis pela escolha dos professores que querem nas escolas. Seguindo a lógica economicista, não há valorização salarial nem de carreira que poderia atrair professores para a escola pública. Roubaram aos professores mais de nove anos de tempo de serviço. 630 milhões de euros era o valor que custaria a despesa da contabilização do tempo de serviço congelado dos professores e que provocaria a «insustentabilidade das contas públicas». Esta foi a forma de justificar a opção de contabilizar apenas um terço do referido tempo (enquanto que a descomunal barreira de 20 mil milhões de euros para bancos era ultrapassada!). Estima-se hoje que milhares de professores nunca cheguem ao topo da carreira por melhores profissionais que sejam ou tentem ser. Perspetiva-se uma mais do que compreensível revolta e um profundo desânimo da classe docente. Depois de muitos anos de congelamento, tiveram apenas 0,3 e depois 0,9 por cento de aumento, e agora tiveram o aumento geral da função pública (que varia entre 2 e 4,5 por cento e que está muito longe dos valores da inflação). Os professores perderam mais de 20 por cento de salário entre 2010 e 2022. Por outro lado, a imensa maioria dos professores é prisioneira de múltiplas obrigações administrativas que pouco têm a ver com o ato de ensinar. As vagas para os 5º e 7º escalões continuam a impedir milhares de professores de progredir na carreira. Milhares de professores ficarão retidos nos 4º e 6º escalões devido à necessidade de obtenção de vaga para a progressão aos escalões seguintes. As quotas impedem que 75 por cento dos professores sejam avaliados com Muito Bom ou Excelente (mesmo que tenham condições e que tenham desenvolvido trabalho para tal), o que cria um sentimento de injustiça. A progressão na carreira não pode estar sujeita a quotas e a vagas, pois isso implica arbitrariedade na avaliação de desempenho e um profundo desânimo nas escolas. A maior parte dos professores argumenta contra o atual sistema de Avaliação do Desempenho Docente por este não permitir reconhecer em termos práticos o seu infindável trabalho com os alunos. Com este sistema nem todos veem premiado o seu trabalho quando isso seria justo e mesmo aqueles que obtêm as classificações mais altas (Muito Bom ou Excelente), veem mais tarde baixar a sua avaliação para apenas Bom por conta das famigeradas quotas. O atual sistema de ADD é demolidor da motivação e todos conhecem o efeito da desmotivação e do sentimento de injustiça na produtividade, na disponibilidade, no envolvimento. Os professores são desrespeitados pelo poder político, a profissão tem-se desvalorizado e de um momento para o outro, passou-se de um alegado excesso para a falta de professores em muitas escolas.
Urge encontrar soluções para os problemas de uma classe que se vê, há mais de uma década, a perder poder de compra, a trabalhar mais e mais horas e a não ver reconhecido o seu trabalho. Um governo que não valorize e não invista na educação não está a exercer a sua função. Não pode estar. É urgente e necessário tornar a profissão de professor bem paga, com alta formação científica e pedagógica, condições de trabalho excelentes e carreiras atrativas. Um país também se constrói com a Educação. Os professores são uma classe desacarinhada, desprotegida e mal paga, a quem a democracia retirou o respeito e a consideração que já tiveram no tecido social. É fundamental valorizar os professores se queremos que a escola desempenhe o importante papel de educar e transformar a sociedade. O dinheiro em Portugal é todo para a construção e digitalização (também necessárias, claro), nunca para a formação cultural e científica dos professores e dos seus salários. Os professores deviam estar (e infelizmente não têm estado) entre as primeiras preocupações dos governantes neste quase meio século de democracia. As escolas e os professores foram capazes de se adaptar à pandemia desenvolvendo as capacidades dos alunos sem descurar a construção de bases sólidas para aprendizagens futuras. De um dia para o outro, adaptaram-se e deram o seu melhor. Já vai sendo tempo de a educação ser tida como prioridade política. A escola pública é de todos e uma educação de qualidade é um direito. A escola é também um lugar de humanização e de desenvolvimento pessoal e a aprendizagem também é sobre lutar por diferentes direitos. Não é apenas o futuro dos professores que está em causa: é também o futuro da escola, dos alunos, do país.
Por isto, e por muito mais, ouçam-nos. Respeitem-nos. E porque a situação é mais do que grave, os professores estão na rua e vão continuar a lutar.

* Deputada do CDS-PP na Assembleia Municipal da Guarda

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Cláudia Guedes

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