Os custos do “provincianismo”

Escrito por Carlos Peixoto

“Alguém tem de fazer algo para procurar travar este “fantasmagórico” esvaziamento de pessoas de faixas do território que já fazem das tripas coração para as manter por cá.”

O atual presidente da Câmara de Lisboa implementou uma medida de enorme valia social. Os estudantes até aos 23 anos (e também os maiores de 65 anos) passaram a beneficiar de um passe gratuito que lhes permite utilizar sem qualquer custo todos os transportes públicos dentro do concelho. Como circular de carro na capital – para quem o tem!!! – é cada vez mais só para aqueles que conseguem alimentar os postos de combustíveis e os preços obscenos dos estacionamentos, e como por lá é impensável andar sempre a pé, há poucas decisões políticas com um impacto económico tão direto e tão relevante nos orçamentos das famílias quanto esta, que por cada membro naquelas condições poupam entre a 20 a 30 euros mensais. Até aqui, só louvores para a medida.
O problema, muito sério, é que ela só se aplica aos estudantes de Lisboa, e não aos estudantes em Lisboa, o que não é a mesma coisa. Isto é, o “prendado” tem obrigatoriamente de ter residência fiscal lá na metrópole, o que afasta todos aqueles milhares do resto do país que tiveram o “azar de nascer na província” e que foram para Lisboa estudar. Veja-se o absurdo: um jovem do Restelo, onde o PIB nacional prepondera, vai de metro ou de autocarro para a faculdade e nada paga. Já o seu colega de carteira, nascido na Guarda ou em Portalegre, onde o PIB nacional definha, vivendo durante o seu curso na mesma casa do amigo do Restelo, tem de pagar o passe que ao amigo fica de borla. Mais irónico ainda e a acrescer a esta injustiça, tem também de pagar o preço de estar distante da família – o que na alimentação tem um significativo peso –, tem de suportar as viagens à sua terra natal, e tem de despender uma brutalidade para arrendar um espaço muitas vezes indigno num bairro mal frequentado da capital.
Dir-se-á que há duas soluções para combater esta indisfarçável discriminação. A primeira é convidar-se o jovem não lisboeta a não procurar Lisboa para a sua formação académica, o que é parvo e inimaginável, já que mais não seja porque é lá que está concentrada a maior oferta de cursos e de universidades do país, que são de todos e para todos e não apenas dos e para os que lá nascem. A segunda é perversa e é a que infelizmente tem sido seguida por muitas famílias. É uma espécie de truque de secretaria, mas no fim de tudo o que conta é o resultado e quem perde são sempre os mesmos. Muda-se a residência fiscal para Lisboa – já agora, também muito útil para se obter o acesso ao dístico da EMEL para estacionamento de residentes – para se poder beneficiar do passe gratuito. O que acontece com esta forçada e interesseira alteração é que, oficialmente, nos números e nas estatísticas, a população de Lisboa engorda, numa artificialidade de hoje que se torna uma realidade amanhã, e a população do resto do país (nossa região incluída) vai somando ao seu défice decorrente de outras causas mais estruturais e mais difíceis de inverter esta escusada debandada.
São menos pessoas no interior a votar nas eleições autárquicas, são menos verbas transferidas para os nossos municípios, são benefícios públicos que se perdem, e é a influência política que se esvai. Alguém tem de fazer algo para procurar travar este “fantasmagórico” esvaziamento de pessoas de faixas do território que já fazem das tripas coração para as manter por cá. É certo que a medida causadora desta disfunção é municipal e pode não ser economicamente viável convencer o presidente da Câmara de Lisboa a estendê-la a todos os estudantes deslocados em Lisboa, sem exceção. Mas lá que ele tem de ser alertado para isso, é óbvio que tem, e esse papel pode muito bem ser assumido pelos nossos deputados na AR e, mais ainda, pela nossa (entre outras) CIM das Beiras e Serra da Estrela, que também não pode deixar o Governo fora disto. É ao Dr. António Costa e aos seus ministros que compete protocolar com a Câmara de Lisboa um programa capaz de assegurar a gratuitidade de transportes para todos os estudantes na capital, independentemente da sua origem ou da sua residência habitual. É claro que este alargamento, a ser adotado, torna Lisboa cada vez mais atrativa e procurada por estudantes de todos os lados, secando ainda mais depressa outras cidades deste país. Mas é assim, ou se calça a luva e não se põe o anel, ou se põe o anel e não se calça a luva. Os dois adornos juntos não coabitam bem. Entre uma opção e outra, venha o Diabo e escolha…!!!

* Advogado, ex-deputado na Assembleia da República eleito pelo círculo da Guarda e antigo líder distrital do PSD

Sobre o autor

Carlos Peixoto

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