Os cobardes e os seus protocolos

Escrito por Diogo Cabrita

A Alice tem 99 anos e por essa razão é magnífico que se mova bem, converse, consiga estabelecer discursos, e seja uma avó querida. Mas a Alice sabe que está perto o fim. Os netos e filhos visitam-na na instituição e regozijam com a alegria que ainda demonstra. O problema é o dos pardais: se ferir uma asa, este não voa mais. Para prevenir não sei o quê, há hoje milhares de prescritores de protocolos que lhe encharcaram o corpo de estatinas, anticoagulantes e outros actos divinos de que estão convictos. Em verdade Alice passou os 85 anos sem nenhuma droga, e na instituição começou a prevenir a mortalidade, após ter ultrapassado o tempo médio de vida espectável, ou seja, ter ganho às estatísticas.
Ontem caiu, o que é normal pois tem teimosias em relação às ajudas técnicas, tem vaidades íntimas e alguém colocou um tapete na casa de banho. Os inimigos dos idosos são tapetes, chinelos, degraus, banheiras, escadas, e não pedirem ajuda para se moverem durante a noite. O outro inimigo são as drogas obnubilantes, os efeitos perversos de fármacos calmantes e relaxantes.
Alice caiu e fez um hematoma frontal. Porque toma as drogas preventivas para umas doenças, agora tem risco elevado para outras.
A iatrogenia é este preço que todas as medicações trazem. Nada só faz bem. Nada é sem efeitos secundários. Nada só trás virtudes. Alice pode fazer hemorragias subdurais porque toma anticoagulantes. Pode!
E se fizer? Nenhuma tabela de risco de previsibilidade de mortalidade vai mostrar valores aceitáveis para um acto cirúrgico desta dimensão. Alice está sob protocolos criados por grandes equipas, subsidiados por enormes empresas. Agora, para proteger os médicos tem de cumprir outros protocolos, mais académicos, para ver se a terapia preventiva lhe causou uma iatrogenia. São mecanismos de avaria num sistema comandado por cobardes e cumpridores de desígnios duvidosos. Alice se tiver uma hemorragia subdural aguda, porque faz o anticoagulante, não tem indicação por risco de mortalidade para drenar o hematoma. Então, porque realiza um exame, ou dois, ou três à cabeça?
O desfecho será em 99,9% das vezes, ficar na expectativa da evolução sem manobras intempestiva curativas ou salvíficas. Alice, por favor, não caias. Alice, por favor não cumpras todos os protocolos que te querem infligir.
Mas Portugal faz hoje dezenas de milhares de TACs para cumprir protocolos de trauma no idoso anti coagulado, muitos desenhados sem audição dos neurocirurgiões. Portugal faz outros protocolos sobre pressão de estatísticas, impostas pela força das farmacêuticas. São milhões de medicamentos sobrepostos uns nos outros que é quase obrigatório dar. Prevenir já não é investir na saúde, é construir medicação para reduzir a doença. Só que esta verdade é uma falácia!

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Diogo Cabrita

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