Os avanços tecnológicos e científicos não reforçam a Europa Social

Escrito por Honorato Robalo

“Os decisores políticos não querem genuinamente a mudança. A natureza ideológica da UE não releva o primado social como uma construção de uma nova sociedade, esta a oportunidade única para construir o nosso futuro. “

Em momentos de crise emergem sentimentos de solidariedade. Há o primado capitalista de renegar os interesses dos trabalhadores tendo presente as decisões e a não implementação. No ido ano 2010 – o Ano Europeu de Luta Contra a Pobreza – o Parlamento Europeu reconheceu a existência de cerca de 85 milhões de cidadãos em situação de pobreza e de exclusão social (incluindo 19 milhões de crianças). Passadas mais de duas décadas, a Cimeira Social Europeia (Porto, 7 e 8 de maio/2021) apurou que nesta “Europa” em declínio existem 95 milhões de pessoas em risco de pobreza e de exclusão (das quais 18 milhões são crianças).
Numa palavra, a luta de classes demonstra quais as opções de classe dos decisores políticos. Lá se fazem cá se pagam, quando a estrutura federalista da EU, com o apoio do BCE/FMI, impuseram soluções nefastas para os mais desfavorecidos; para os mais distraídos, recordo a draconiana “troika” estrangeira com o apoio da “troika” nacional.
As consequências sociais foram e são devastadoras e aprofundadas pela pandemia. Perante a desastre social dos mais de dois milhões de pobres (cerca de 20% dos portugueses) não encontro uma genuína solidariedade entre quem trabalha, bem basta que os eurocratas bloqueiem uma verdadeira Europa social, mesmo na perspetiva social democratizante. Os dirigentes europeus são lestos nas respostas políticas para manter ou aumentar os lucros dos capitalistas, mas a falta de uma profunda revolução social tem como consequência os vergonhosos números de pobreza: 80 milhões de europeus (13 milhões de crianças).
Quando o PCP exige e defende a valorização dos salários e defesa do reforço das funções sociais do Estado tem como desiderato o combate à pobreza de forma substantiva e não apenas na semântica. A dura realidade social é exacerbada com o catálogo “subsídio-dependentes” sem antes discutirmos as opções de classe dos governantes em alterar a legislação laboral com tratamento mais favorável para os trabalhadores, sabendo-se que muitos dos pobres são “pobres que trabalham”. Nem uma palavra sobre a necessidade urgente de aumentar os salários, o único caminho sério para combater a pobreza e para pôr termo à extremamente desigual distribuição da riqueza (e do poder) que caracteriza o capitalismo.
Quando o PCP refere que este modelo capitalista da União Europeia não responde aos anseios dos povos fica mais uma vez demonstrado quando “o princípio da harmonização no sentido do progresso” foi afastado em 1997 (Tratado de Amesterdão). Recordo a campanha eleitoral que exacerbou a discussão política e ideológica, alguns com a sua semântica argumentativa pretendem impor o nivelamento por baixo.
Recordam o famoso “porreiro pá” entre dois serviçais do Capital, Sócrates e Barroso, aquando da Cimeira para finalizar a presidência portuguesa da UE, na qual foi aprovada e glorificada a “histórica” Estratégia de Lisboa (março/2000), que, entre outras benesses, prometeu aos europeus a transformação da “Europa” na «economia do conhecimento mais dinâmica e competitiva do mundo», capaz de um «crescimento económico sustentável», acompanhado de «melhoria quantitativa e qualitativa do emprego e de maior coesão social». O que aconteceu nos anos seguintes, graças às políticas da UE e dos seus estados-membros, foi exatamente o contrário do prometido.
Perante os graves problemas que afligem os trabalhadores europeus em matéria de emprego (desemprego, trabalho precário e sem direitos), a UE foi incapaz de anunciar políticas ativas promotoras do pleno emprego. Só prometeu arranjar trabalho para 78% dos trabalhadores europeus (12% continuarão no desemprego, para não esvaziar o exército industrial de reserva).
As amarras da União Europeia ao Capital condicionam a definição de uma estratégia coordenada em matéria de emprego, continua a rejeitar qualquer política de pleno emprego, continua a defender que as «imperfeições» do mercado de trabalho (a existência de sindicatos, o direito de greve, a contratação coletiva, os subsídios de desemprego) proporcionam salários elevados e que os salários elevados são os responsáveis pelo desemprego.
O que importa é manter a «capacidade concorrencial da economia da União», o que exige a «flexibilidade» da legislação laboral, capaz de garantir «mercados de trabalho que reajam rapidamente às mudanças económicas». A UE continua fiel às políticas de desvalorização interna, que, apesar dos seus efeitos recessivos (contrários ao emprego e aos trabalhadores), vêm reforçando os privilégios do grande capital financeiro.
Vivemos mais um momento histórico que exige uma genuína solidariedade entre os povos. Afinal, a aposta do mercado digital no da pandemia veio a exacerbar a exploração dos trabalhadores, mesmo os mais qualificados. Apregoam os nómadas digitais para repovoar o interior envelhecido, mas as amarras da “Europa”» e dos centralistas do Terreiro do Paço impedem que após uma crise haja um impulso de mudança na dita Europa Social.
Os decisores políticos não querem genuinamente a mudança. A natureza ideológica da UE não releva o primado social como uma construção de uma nova sociedade, esta a oportunidade única para construir o nosso futuro.
A aposta na chamada transição digital, o caminho no sentido da tal «economia do conhecimento mais dinâmica e competitiva do mundo» ao serviço do bem-estar social e não como ferramenta de fortalecimento da exploração capitalista.

* Militante do PCP

Sobre o autor

Honorato Robalo

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