Os “Ares” da Guarda

Escrito por Fidélia Pissarra

Por volta de 2011, ou coisa parecida, quando a Guarda ainda aspirava alcançar algo que a definisse como cidade, à semelhança do que faziam os empreendedores mais criativos de Fátima e, antes deles, os de Lourdes, o atual Diretor-Geral das Artes, na sua intrínseca obliquidade criativa, lembrou-se de vender frascos com ar. Atendendo a que os antecessores, deste tipo de empreendedorismo, vendiam frascos com água, ainda que benzida, teremos de reconhecer que o então diretor artístico do TMG, não indo tão longe como Piero Manzoni com a sua latinha, terá conseguido ir um pouco mais além do que eles, substituindo a água, alegadamente benta, pelo ar, alegadamente puro. Antes de mais, convém assumir, com algum constrangimento, o meu completo desinteresse por manifestações culturais destas e admitir que desconheço os resultados da velha iniciativa. Mas, tenham sido eles quais fossem, hoje estarão mais que mortos e enterrados porque aquele que outrora alguns consideraram ser o ar mais puro do país, depois dos últimos fins de semana de “desportos” motorizados, de puro é que já não terá nada.

Ora, perante a evidência de o facto parecer importar a muito pouca gente, resta esperar que alguém se lembre de, na senda dos frascos de água benzida, de ar puro e do da lata do outro, mercantilizar também o ar da atual parvalheira. Pois, a avaliar pelos preços que tais frascos e lata atingem, tudo tem o seu valor. Logo, o ar conspurcado pelo fumo dos escapes também terá o seu. E se o não tiver ainda, com o potencial que evidencia, bastará colar-lhe o rótulo “Guarda” para espoletar uma nova campanha de promoção da “cidade com mais eventos poluidores pagos pelos próprios munícipes”. Título que, de resto, só esta nossa ansiedade, por permanecer nas bocas do mundo como terra de oportunidades, justificará, mas que não deixa de ser uma razão tão válida como outra qualquer. Como outra qualquer, exceto na parte em que quanto mais nocivo para o ar e para o ambiente, em geral, for o negócio, mais oportunidades aqui tem, vá. Porquanto também não haverá assim tanta gente que, ao contrário de nós, se disponha a financiar, ou a reivindicar como seu, um negócio, atividade ou iniciativa que se possa relacionar com a degradação ambiental, só por estar ansioso. Pelo menos desde que o Jay Westerveld inventou o termo “greenwashing”.

Neste particular, seremos únicos. Por isso, se o seu negócio passar por exibir veículos motorizados, a vomitar fumo em proporções inauditas, perante algumas hostes que, por sua vez, desfrutam com a oportunidade de respirar esse fumo e não for bem-vindo em lado nenhum, já sabe que a Guarda, nem que seja durante uns dias, lhe garante a oportunidade de aqui ser bem recebido. O que, atendendo à raridade, cada vez maior, de cidades dispostas ao mesmo, nem será assim tão desdenhável e nos levará a concluir que, seja qual for o ar da Guarda, haverá sempre uma oportunidade para o vender.

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Fidélia Pissarra

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