Num país especado à beira-mar, um curso de água corria para o oceano. O Rio Panhonhas, todos sabiam, desaguava na Costa Trafulha. O Rio Panhonhas era muito certinho, mas tinha um curso de água pouco profundo e ainda menos entusiasmante. A Costa Trafulha era toda ela feita de escarpas vertiginosas e irregulares. De perto eram perigosas, mas davam fotografias bonitas. Eram sítios para maravilhar os turistas, enquanto os locais viviam à beira do precipício.
Em cada uma, nas margens do Rio Panhonhas e nas praias da Costa Trafulha, havia dois resorts. Havia, é certo, outros locais menos povoados para o descanso estival, como a Barragem Jerónimo & Martins, ou a sede da Associação Cristas da Mocidade, mas eram aqueles dois, o do Rio Panhonhas e o da Costa Trafulha, aqueles que mais gente frequentava.
Para se ter alguma hipótese de ser convidado para as festas de São Bento, as escolhas estavam reduzidas à Costa Trafulha e ao Rio Panhonhas.
Diz a lenda que a geografia desse país fizera, certo dia, um pacto de silêncio junto à foz, quando o rio encontrasse a costa, momento televisionado em directo para toda a nação. Nessa noite, o Rio Panhonhas desaguou, chegou ao mar e seguiu silenciosamente o seu caminho. Minutos depois, a Costa Trafulha encheu-se com a sonoridade ribombante típica do mar a bater nas rochas.
Pouco mais se sabe desse pequeno país, onde um povo, cuja única alegria eram arcaicos jogos com bola, desesperançadamente vivia entre o Rio Panhonhas e a Costa Trafulha.
* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia