Oh, Portugal, se fosses apenas um país relativo

De vez em quando, pedem-me – e outras vezes, ofereço-me – para dispensar pensamento sobre um dos grandes mistérios da Humanidade: o que é isso, afinal, de ser português. Note-se, ainda antes de avançar para a resposta, que poderá haver muitas teorias sobre o que é ser inglês, ou francês, ou alemão, mas só a portugalidade implica de imediato o advérbio “afinal” na questão.

Ser, afinal, português é ser português apesar de tudo. Apesar da geografia, apesar da história, apesar das evidências. É-se português a contragosto e de má vontade. O que nós queríamos era ser suecos. Ou viver como os suecos. E não apenas por inveja, mas por uma genuína convicção sentida por cada um de nós de que merecíamos muito melhor do que isto.

Os portugueses parecem pessimistas e auto-depreciativos, mas no seu íntimo são profundamente optimistas e convencidos. Um pessimista acha que tudo vai correr mal e a auto-depreciação fá-lo pensar que não merece melhor. Um pessimista olharia para Portugal e pensaria, “comparado com o que podia ter sido, não está nada mal”. Mas se alguém calha em encontrar virtudes na vida lusitana, logo um português lhe responderá, “anda cala-te, filho, não me faças falar”.

Os portugueses olham para o país com o mesmo desdém com que um adulto pequeno-burguês olha para um Fiat Uno. “Sim, dá para fazer a viagem, mas vamos demorar muito mais e chegar lá com as costas feitas num oito”. Dá para viver, mas não era bem isto que desejávamos. E é muito menos do que julgamos merecer.

Marcelo Rebelo de Sousa tirou a pinta dos portugueses – ele sabe que, no fundo, cada um de nós pensa como ele, “somos dos melhores do mundo”. Só que ele generaliza e nós individualizamos. Cada vez que o Presidente afirma essas qualidades extraordinárias da nação, os portugueses pensam para si próprios, “o Professor Marcelo tem razão. O meu trabalho devia ser reconhecido pela ONU como património da Humanidade”. Estamos mesmo convencidos de que somos bons, embora saibamos que há três categorias de pessoas a quem esse elogio não se pode estender. Os políticos, que é por causa deles que o país anda assim, os colegas, que não trabalham nem deixam trabalhar, e os vizinhos do lado, que nem têm culpa, só foram educados assim.

Mas se somos todos tão bons, cada um por si, por que não temos o país mais próspero do mundo? Porque como os outros portugueses à nossa volta são mandriões, não será com certeza um de nós (o leitor e eu) a esforçar-se para dar de comer a esses mamões. É por isso também que quase todos os portugueses sabem como gerir o país, mas só os incompetentes é que têm a oportunidade de o fazer. A razão é simples – qualquer português que soubesse governar devidamente esta terra teria em simultâneo o discernimento de que não vale a pena andar a esfolar-se para o bando de chupistas que são os seus compatriotas. É o “catch-22” da psicanálise política portuguesa.

No nosso íntimo, cada um de nós sabe que merece viver num dos países mais desenvolvidos do planeta, mas que os outros portugueses, de agora e do passado, com certeza por causa da inveja com que termina “Os Lusíadas”, não lhe permitem tal coisa. Essa é, evidente e justificadamente, a razão principal para não gostarmos uns dos outros.
E a conversa termina quase sempre com a questão, “se achas que o teu país não é horrível, os teus concidadãos é que são um pouco empertigados, por que razão tens uma opinião tão negativa de Portugal?” A resposta é simples: porque, apesar de tudo, sou genuinamente português. E por isso, acredito sinceramente que merecia ser sueco.

* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

Sobre o autor

Nuno Amaral Jerónimo

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