O voo, a queda, o paraquedas e a falta dele

Escrito por Jorge Noutel

O consulado de Isabel Coelho na ULS tem sido desastroso em muitos aspetos, revelando uma incompetência sem par.

Já por diversas vezes me referi nesta crónica ao processo de degradação na relação que o hospital da Guarda mantém com a sua população. Julgo não errar muito se disser que a ULS da Guarda é a maior empresa do distrito ou, pelo menos, uma das maiores. Que mais não fosse por esta razão, dos políticos da região deveria esperar-se mais na defesa de uma instituição que deveria ser vista por todos como um património e riqueza comuns. Infelizmente, não é isso que vem acontecendo.

Compulsando o meu arquivo de notícias sobre o nosso hospital com origem na imprensa escrita ou nas próprias televisões, são inúmeros, nos últimos anos, os alertas para a progressiva perda de importância de algumas das nossas valências clínicas. Entre todas as especialidades há uma que salta à vista por se ter tornado na medalha de ouro do descalabro: a Oftalmologia.
Um dos jornais locais referia, já em julho de 2016, que «a proposta de Rede de Referenciação em Oftalmologia prevê que os doentes da ULS da Guarda sejam referenciados para o Centro Hospitalar da Cova da Beira». Nessa mesma notícia os números de consultas, cirurgias e meios complementares de diagnóstico das duas instituições, a da Guarda e a da Covilhã, revelavam uma vantagem arrasadora a favor da Guarda, razão pela qual nem sequer vou aqui reproduzi-los. O mais curioso é que o médico que abraçou na altura a defesa do serviço de Oftalmologia da Guarda, manifestando-se publicamente contra a proposta governamental de dar primazia à Covilhã, nem sequer se encontrava – à data – a prestar funções na instituição. Dos políticos da nossa região, nomeadamente dos mais profissionais e daqueles que nos representam na Assembleia da República, não se ouviu na altura uma palavra…

Posteriormente, em dezembro de 2019, foi o mesmo médico – já regressado à instituição – quem foi à Assembleia Municipal da Guarda, numa intervenção que caiu como uma pedrada no charco, alertar para o colapso iminente da Oftalmologia. Dos políticos da terra voltou a não se assistir a qualquer reação digna de monta, e isto apesar de na sua última edição de janeiro de 2020 o jornal a que me referi ter escarrapachado na primeira página o prenúncio do que estava para acontecer: «Médico alerta para o risco de “colapsar dentro de dias” a atividade do Serviço de Oftalmologia do hospital da Guarda». A própria SIC referir-se-ia ao assunto em 2 de fevereiro de 2020, pelo que é impossível aos nossos políticos alegarem desconhecimento sobre a matéria. A tempestade foi detetada a tempo, medida, cartografada, dissecada, e, mesmo assim, ninguém levantou um dedo para impedir a inundação de desgraça que se seguiu!

A ULS da Guarda tem um orçamento anual superior a 100 milhões de euros. Os números fornecidos pelo tal médico à Assembleia Municipal permitiram-nos perceber que em 2019 a Oftalmologia foi responsável por – pasme-se – quase 39% de todos os atos cirúrgicos da instituição! Não é preciso saber-se muito de gestão para se compreender a importância que esta especialidade tinha no financiamento do nosso hospital…

Entretanto, há dias, em conversa com alguém com responsabilidades na hierarquia do hospital, fiquei a saber que nos últimos 18 meses a Oftalmologia perdeu seis médicos. Isso mesmo, seis! Quis crer que esta implosão de recursos só por coincidência sucedeu sob a égide da administração de Isabel Coelho. Mas quando soube que um dos membros da mesma administração verbalizou recentemente – em público – a hipótese de o serviço vir a encerrar, percebi que o facto de o mesmo se encontrar sem diretor há já um ano e de não realizar qualquer cirurgia há nove meses não aconteceu por acaso.

O consulado de Isabel Coelho na ULS tem sido desastroso em muitos aspetos, revelando uma incompetência sem par. Mas a sua marca de água vai ser, para sempre, o colapso da Oftalmologia na Guarda. O que fica por perceber é o que levou alguém da cidade a escolher este desígnio. É que fazer pior não é difícil. É simplesmente impossível!

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Jorge Noutel

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