Olinda Atanazio tem um discurso ininterrupto, sentada junto da mesa do café. Fala para os lados e com os empregados. Fala sem amanhã. Não se impõe silêncios nem pausas. Parece que não respira com a sofreguidão que expõe. Olinda é muito feia e sozinha. Talvez não seja coincidência. Filha de gente fina da alta de Coimbra, cuidou dos pais, depois de um tio, mais tarde de um sobrinho do irmão mais velho. Desde há anos que está só. Vejamos bem: morreram os pais, o tio, o sobrinho, ninguém mais confiou nos seus cuidados. Era o purgatório! Olinda feia, e com má fama, ficou só. Ninguém respondia aos monólogos teatralizados, ao gestual firme, às interrogações constantes. Ela sentava-se, pedia a bica, depois uma torrada, mais tarde o sumo de laranja e por fim a empada de galinha. Sempre nesta ordem, sempre no mesmo ritmo. Um dia, um jovem empregado trouxe tudo junto e quase virava o café. Outro percebeu mal e trouxe na ordem errada. Ouviu das boas, o menino. Olinda herdou dos pais e do tio. Herdou-lhes os bens, e mais nada. Arrendava uns quartos e conseguia um bom rendimento. Há sete anos que a rotina a levava ao café. Há sete anos que ordenava os seus pedidos e iniciava os seus solilóquios. Aborrecido era ser alto. Inquietante era comportarem gestualidades e serem descontextualizados. Na realidade não falava para ninguém, pensava alto. Um dia sentou-se-lhe na mesa um rapaz asiático. Falaram baixinho. Voltou várias vezes e Olinda sempre se acalmava. O rapaz acabou por ficar e duplicou os pedidos e sempre pela mesma ordem. Falava ela, agora mais baixo, ouvia ele. Por vezes questionava-a, e os monólogos prosseguiam. Abdul Azize casou com Olinda Atanazio e o dono do café disse aos outros clientes: Há sempre um testo para uma panela.
O testo da panela!
“Abdul Azize casou com Olinda Atanazio e o dono do café disse aos outros clientes: Há sempre um testo para uma panela.”