As propostas de revisão do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES) apresentadas pelo Governo e pelo Partido Socialista partem do princípio absurdo que os politécnicos e as universidades devem ter as mesmas condições para funcionar, quer se situem em Lisboa ou no Porto ou em zonas transfronteiriças, como o Politécnico da Guarda e outras instituições.
O absurdo, como é óbvio, não tem a ver com as exigências de qualidade do ensino prestado e da investigação científica produzida, às quais todas as instituições estão, e muito bem, obrigadas. A exigência pedagógica e científica deve ser igual para todos, assim como devem ser claros e objetivos os critérios para acreditar as instituições e definir o seu estatuto como “Universidade”, “Universidade Politécnica” ou “Instituto Politécnico”.
O absurdo é outro. É pensar que as instituições estão em pé de igualdade, e que devem ter as mesmas necessidades de financiamento e de apoio para atraírem bons alunos e contratarem docentes e investigadores, quer se situem nas avenidas da capital ou perto da Torre dos Clérigos, quer funcionem em cidades do interior junto à fronteira. É absurdo supor que todas podem angariar o mesmo volume de receitas próprias. É absurdo, por isso, que as propostas de revisão do RJIES ignorem a palavra “território”.
As pequenas instituições de ensino superior que fixam e formam recursos humanos de elevada qualidade em territórios de baixa densidade devem ser apoiadas de uma forma específica, adequada ao seu trabalho. É que elas, para além de atraírem e fixarem pessoas qualificadas nestes territórios, transferem conhecimento às instituições sociais e ao tecido empresarial na sua área de influência, conferindo-lhes uma competitividade nacional e global que, de outra forma, não teriam.
Apoiar os politécnicos e as universidades para enfrentarem os custos da interioridade é, na verdade, um investimento rentável no desenvolvimento destas parcelas do território e das comunidades que lá vivem, trabalham e empreendem. O ensino superior é a forma mais barata de promover a coesão territorial.
A consagração de um benefício no RJIES deve ser feita pela mesma razão que este Governo decidiu diferenciar em 20 pontos percentuais as verbas europeias a fundo perdido que irão apoiar o investimento empresarial no interior do país: uma unidade industrial que se instale no litoral pode hoje receber no máximo 30% do seu investimento em apoios europeus – mas esse montante sobe aos 50% se o investimento for feito no interior.
As pequenas instituições do ensino superior que funcionam nessas regiões merecem o mesmo tipo de diferenciação. Assim como Portugal precisa de apoiar mais a economia do interior para que esta convirja com a média nacional, também o ensino superior do interior deve ter um apoio específico consagrado no RJIES para cumprir a sua missão ao mais alto nível.
É exatamente o que sucede noutros países. O Politécnico da Guarda faz parte de uma rede de universidades europeias, a UNITA – Universitas Montium, que une instituições de ensino superior de Portugal, Espanha, França, Itália e Roménia que têm em comum a sua localização em zonas transfronteiriças e de montanha. Nestes países (à exceção de Portugal) estas instituições são fortemente apoiadas pelo Estado para serem, nos seus territórios, protagonistas de uma estratégia de desenvolvimento baseada na digitalização, na sustentabilidade, na economia circular e nas energias renováveis. Registe-se que, apesar de não ter os mesmos apoios das universidades suas congéneres, o Politécnico da Guarda lidera vários projetos europeus.
Cabe agora à Assembleia da República conciliar a objetividade e a exigência de que o RJIES necessita, com o equilíbrio territorial e a coesão de que o país precisa para se desenvolver melhor e com harmonia. Mais alunos a tirar cursos no litoral, em particular em Lisboa e Porto, vão acrescentar muito pouco ao desenvolvimento do país. Mas no interior, junto à fronteira, os estudantes, os professores e os investigadores são decisivos para dar viabilidade e competitividade às respetivas cidades e regiões. Consagrar isso no RJIES defende o interesse nacional.
* Presidente do Politécnico da Guarda