O retrato do Portugal costista

Escrito por Carlos Peixoto

“Não há como fazer retratos cor-de-rosa de um país com o futuro cada vez mais negro se as políticas e os políticos não mudarem.”

Festas populares, convívios, descanso, sol, banhos, férias, viagens e diversão. É este o compreensível foco de muita gente na apetecível frivolidade do Verão. Não há disponibilidade mental nem paciência para refletirmos sobre o “Diabo”, aquele acrónimo que foi imortalizado – e também diabolizado!!! – por um Primeiro Ministro que parece ter tido razão antes do tempo, ao profetizar que vinha aí qualquer coisa má. Ainda assim, não obstante a propiciadora época do ano para um sorriso nos lábios, vou ser maçador com a crueza de apenas alguns números, porque só a verdade nos liberta e purifica. O pior que pode acontecer é assobiarmos para o lado e empurrarmos com a barriga como se nada fosse.
Quem passou os olhos pelas conclusões do relatório do índice IMD de competitividade mundial de 63 países em 2022, olha para Portugal e desconfia se também as “trevas” não estarão a bater-nos à porta. Estamos a afundar-nos em toda a linha. Em apenas 2 anos passámos do 37º lugar para o 43º no ranking mundial. Somos o 2º pior da Europa Ocidental e o 23º mais atrasado dos 30 países europeus analisados. Temos uma divida pública correspondente a 120% do PIB, só ultrapassada pela Grécia e pela Itália, países que apesar de tudo têm uma capacidade muito superior à nossa para a fazer diminuir. O endividamento das nossas empresas e famílias corresponde a 300% do PIB, o 2º pior da UE, num garrote que não nos deixa respirar. Mesmo com o “colinho” do BCE, os encargos anuais dos juros pagos pelo Estado pela sua divida é de 2,6% do PIB e tudo indica que chegará aos 5% nos próximos tempos, com uma boa maquia dos nossos impostos a ser desviado da nossa economia para outras latitudes.
Nos últimos 10 anos, os salários para os mais qualificados, os que mais investem, baixaram 11% e a produtividade do país está a divergir cada vez mais da média europeia, baixando de 70% para 66% e colocando-nos neste índice nos 4 a contar do fim numa lista de 21. Temos o 7º salário médio mais baixo da UE, e mesmo alguns dos que estão atrás de nós, ganhando menos, produzem mais. O risco de pobreza aumentou e o potencial de crescimento a médio e longo prazo da economia é dos mais baixos da União. O nosso IRS marginal é o mais alto na Europa para famílias com rendimento acima de 50.000€ por ano e o IRC é dos maiores da OCDE. Talvez por isso, ou também por isso, a nossa capacidade de contratação e de retenção de talentos é a 2ª pior do mundo, o que nos deveria fazer corar de vergonha.
Somos o país com uma das mais baixas taxas de natalidade e a tendência dos que agora nascem é emigrarem mais tarde. A inflação poderá atingir os 10%, com a inevitável perda do poder de compra de todos nós, que teremos maiores encargos com a energia elétrica e com o preço dos combustíveis, já a preços incomportáveis porque o nosso Governo tira dos nossos bolsos para engordar os seus com a arrecadação de uns milhões a mais de cobrança do IVA. Mais grave ainda, em face da instabilidade política internacional provocada pela Rússia, vamos ter de investir mais em defesa e contribuir ainda mais para a NATO, gastando o que temos e o que não temos.
Neste cenário, não há como fazer retratos cor-de-rosa de um país com o futuro cada vez mais negro se as políticas e os políticos não mudarem. Os últimos dias arrepiaram. Perante o caos no Serviço Nacional de Saúde, o Governo anunciou mais uma comissão, essa providencial entidade que se cria quando não se sabe minimamente o que fazer. Perante a seca extrema que atravessamos, o Governo mandou tomar menos banhos, em vez de pensar em mais barragens e novas estratégias de aproveitamento de água. Perante a balbúrdia que já se previa no aeroporto de Lisboa e do seu esgotamento total, o Governo, que anda há já 7 anos a ver passar os aviões em vez de decidir onde vai construir um outro, simula a necessidade de articular a solução com o maior partido da oposição a que nunca ligou patavina para nada.
Enfim, vamos a banhos que isto passa, Portugal bronzeia-se e esconde as suas rugas e imperfeições. Depois vem o Mundial de futebol e a cerveja Sagres trata do resto. Tal como no slogan da Covid, “vai ficar tudo bem”.

* Advogado; ex-deputado do PSD na Assembleia da República e antigo líder da Distrital do PSD da Guarda

Sobre o autor

Carlos Peixoto

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