Nos próximos dias não se falará de outra coisa. Vamos saber esta sexta-feira, dia 9, se o juiz Ivo Rosa submete o ex-primeiro-ministro a julgamento por todos os crimes de que foi acusado pelo Ministério Público, se só por alguns deles, se por quaisquer outros ou até se arquiva o processo (cenário improvável).
Estão em causa crimes de branqueamento de capitais, fraude fiscal qualificada, falsificação de documentos e, mais grave ainda, 31 crimes de corrupção. Ao lado de Sócrates, está parte da fina flor empresarial que comandou o país durante anos, numa aparente promiscuidade e podridão entre o poder político de então e o poder económico vigente. Seja qual for o desfecho desta fase processual, não nos livramos de uma leitura sísmica para o nosso sistema democrático, e isso não nos pode deixar indiferentes. Estamos perante o processo judicial mais marcante e mediático da nossa história recente e do único que, com enorme estrondo, manteve preso preventivamente um cidadão que exerceu funções de chefe de governo. Se a sua detenção e a acusação foram momentos de “êxtase” nacional, com proclamações triunfais da existência de uma justiça adulta, com mão-de-ferro, imune e independente do poder político, a eventual queda da acusação, especialmente dos crimes de corrupção, criará no espírito de alguns o efeito contrário e fará rebentar o coro das vozes do descrédito do sistema de justiça e da fragilidade do país, afinal vulnerável aos poderes ocultos.
Quem anda pelos tribunais e lida com o direito penal e processual penal sabe que a decisão que vier a ser proferida, seja ela qual for, será sempre banal e natural, na medida em que não será diferente das que acontecem todos os dias em centenas de tribunais, onde um juiz de instrução é sempre confrontado com a obrigatoriedade de confirmar, alterar ou deixar cair a acusação do MP, sem que daí venha mal ao mundo ou seja sequer notícia. O que difere neste caso é a gravidade dos crimes imputados e, especialmente, a qualidade dos seus agentes, e isso pode provocar um estoiro ou na política ou na justiça, pois uma delas ficará a arder. Quem já foi imolado pelo impiedoso fogo da imprensa e da opinião pública, embora ainda respire (o exemplo de Lula da Silva, no Brasil, está aí bem vivo…) foi José Sócrates.
Por ora, os socialistas, uns traídos, outros desiludidos ou envergonhados, nem querem ouvir falar dele. No futuro, nunca se sabe, pois a redenção e a memória curta fazem surpreendentes milagres. Já poucos se lembram da bancarrota ou da licenciatura ao domingo. Amanhã, poucos se lembrarão daquele ditado de que “quem vende cabritos e cabras não tem, de algum lado lhe vem”. Hoje, muitos dos seus amigos o consideram tóxico e pernicioso, amanhã só Deus sabe se não o acharão uma vítima do sistema e um credor privilegiado dos dinheiros públicos. Tirando o juiz e o próprio, ninguém pode, em sã e informada consciência, fazer um juízo final sobre a censura criminal das suas condutas. Mas o lado ético não resiste a essa censura.
Numa democracia honrada e com qualidade, não há como aceitar sem indignação a confissão de um primeiro-ministro, que nem é assim tão mal pago, de que vivia de empréstimos de milhões de um amigo que tinha relações económicas e negociais com o Estado. E é neste plano, da (i)moralidade, que Sócrates não poderá nunca ser resgatado. Quanto ao mais, tirando os protagonistas, o direito e a lei são isto mesmo. Há quem investigue, arquive ou acuse, e há quem julgue, condene ou absolva. Nada que inspire dramas ou cenários dantescos de devastação do sistema de justiça.
* Deputado do PSD na Assembleia da República eleito pelo círculo da Guarda e ex-líder da Distrital do PSD da Guarda