O Regresso ao futuro da “Jangada de Pedra”

Escrito por Pedro Fonseca

«As soluções de que necessitamos para os problemas do presente e desafios do futuro nem sempre estão diante dos nossos olhos»

Na História da Europa pontificam alguns decisores políticos que combinavam competência, coragem e visão. O economista francês Jacques Delors, presidente da Comissão Europeia entre 1985 e 1995, foi um político dessa craveira. Confrontado com a estagnação do projeto europeu, Delors decidiu lançar a Europa num caminho de sentido único, rumo à união política e económica, sendo hoje justamente reconhecido como o “grande arquiteto” da União Europeia.
No mesmo ano em que Delors presidiu às adesões de Portugal e Espanha à então C. E. E., José Saramago brindava os leitores com uma narrativa em que os dois países se moviam precisamente no sentido inverso: para longe da Europa. Separada do resto do continente europeu, a Península Ibérica, transformada numa ilha nómada, vivia uma verdadeira crise identitária e existencial enquanto vagueava pelo vasto Oceano Atlântico.
No caso do nosso país, pelo menos, as dúvidas existencialistas e identitárias seriam mais do que compreensíveis. Em 1986, Portugal virava costas àquele que foi durante séculos o seu espaço privilegiado de vivência, crescimento e desenvolvimento – o Atlântico – para abraçar de corpo e alma o espaço europeu e um projeto de unificação e construção europeia já em andamento.
Foram as águas atlânticas que levaram os navios portugueses aos arquipélagos da Madeira e dos Açores, à costa ocidental africana e ao Brasil. Foram elas que abriram as portas do Oceano Índico aos navegadores portugueses que, pouco depois, haveriam de chegar à Índia e ao Extremo Oriente. Foi sobre o Mapa do Atlântico que Portugal estruturou e manteve um extenso império durante quase cinco séculos.
Nada disso está esquecido nos manuais de História. Mas, infelizmente, parece estar completamente esquecido pelos nossos decisores políticos. Portugal não tem o setor agropecuário da França ou o setor industrial da Alemanha. Por mais décadas que passem e milhões de euros que escorram das torneiras de Bruxelas, nem o mais otimista de entre nós acreditará que algum dia os alcançaremos.
Mas temos a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) que, no total dos seus Estados-Membros, compreende 270 milhões pessoas, espalhados por quatro continentes. Tal como Espanha, temos também a Comunidade Ibero-Americana, cujos números são ainda mais impressionantes: cerca de 750 milhões pessoas! Este potencial humano e tudo o que ele representa do ponto de vista social, económico, cultural e político assumem uma importância redobrada se tivermos em conta a atual conjuntura geopolítica vivida pela União Europeia.
Com o Brexit, a população da União Europeia viu-se reduzida para cerca de 450 milhões de pessoas. Além disso, as perspetivas de novo alargamento da UE, esse «império não-imperialista», como lhe chamou Durão Barroso, embatem, por um lado, no crescimento do euroceticismo e, por outro, no recrudescimento da influência geopolítica da Rússia na Europa de Leste.
As soluções de que necessitamos para os problemas do presente e desafios do futuro nem sempre estão diante dos nossos olhos. Por vezes, elas encontram-se semeadas no nosso passado coletivo à espera de serem redescobertas e devidamente aproveitadas.
Com efeito, talvez seja chegada a hora de a “Jangada de Pedra” partir de novo para uma digressão pelo Atlântico, pelo Índico e pelo Pacífico. No regresso, que traga uma proposta que concilie o melhor de tantos mundos, o “espaço europeu” do Velho Continente e as versões atuais dos “novos mundos” que os portugueses e os espanhóis deram ao mundo nos séculos XV e XVI. Uma proposta de alargamento intercontinental da União Europeia baseado não na geografia, mas nas ligações históricas e culturais dos povos e em perfeita sintonia com o lema da União Europeia: “Unida na diversidade”!
Que melhor forma haverá para continuar a sarar as feridas de séculos de colonização e de profundas injustiças do que promover a inclusão num projeto comum que valoriza o melhor da história partilhada e que providencia aos seus membros garantias de consolidação das instituições democráticas e de desenvolvimento económico, mas também de progresso social e de dinamismo cultural?
Tenho fortes suspeitas de que Jacques Delors e José Saramago iriam gostar de uma história assim.

Sobre o autor

Pedro Fonseca

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