O Presépio que Não Prende

Escrito por Romeu Curto

A Covilhã, observada de fora, guarda a beleza tranquila de uma cidade esculpida pelo tempo e abraçada pela montanha. Há dez anos deixei a Cidade Neve, e desde então as minhas estadias prolongadas resumem-se a dois meses durante a pandemia. Esse breve regresso despertou em mim um misto de orgulho e nostalgia, revelando uma terra que ainda é casa, mas que parece ter incorporado a partida dos seus filhos como parte inevitável do seu ciclo.

Não é que a Covilhã não acolha, mas talvez não segure. Como um presépio ao pé da serra, tem as portas abertas para os sonhos que nascem aqui, mas não os retém quando estes pedem mais espaço. É a história de sempre: os filhos partem, tal como os seus pais fizeram antes deles, numa busca constante por oportunidades que a cidade, com a sua tranquilidade quase poética, nem sempre pode oferecer.

Mas isso não é um fracasso; é apenas o ritmo que a Covilhã aprendeu a aceitar. As manhãs frias, que despertam o brilho prateado nos telhados, parecem sussurrar a cada geração que o futuro está além da encosta, sem amarras, mas também sem culpas. A cidade abraça quem fica, mas não impõe laços a quem decide partir.

E, no entanto, há orgulho em ser covilhanense. Na forma como a montanha molda não apenas a paisagem, mas também a resiliência das suas gentes. Quem parte carrega consigo a solidez de quem cresceu no abrigo da serra, e quem fica guarda o calor de um lugar que nunca deixa de ser casa, mesmo à distância.

Como escreveu Maria Ivone Vairinho em “Lua Branca em Céu Azul”:
“A cidade desperta
E a prata dos telhados
Por uma estranha alquimia
Toma tons avermelhados.”*

Esse despertar, tão delicado e quase mágico, reflete a essência da Covilhã: é uma cidade que renasce a cada manhã, tal como os sonhos dos que por aqui passam. Não se despede das partidas nem exige permanências. Apenas existe, sempre presente, como o horizonte inabalável das serras, guardando histórias para quem quiser regressar, mesmo que só em memória.

*Texto retirado da Revista Florinda, nº 7, 2020

Romeu Curto

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