O poder local

“Outra das maiores conquistas do 25 de Abril foi a descentralização e o poder local”

1. Quando celebramos o 50º Aniversário da Revolução dos Cravos facilmente identificamos as maiores conquistas de Abril, em especial a liberdade e a democracia. Mas também o fim da guerra colonial e a descolonização (ainda que aqui com algumas franjas de discordância, motivadas nomeadamente pelos erros, pressa, ineficiência e falta de capacidade de negociar uma solução para a independência das colónias, que obviamente aconteceria mais tarde ou mais cedo).
Outra das maiores conquistas do 25 de Abril foi a descentralização e o poder local. Ainda que, muitas vezes, observamos que o processo de descentralização continua adiado, em concreto a regionalização (as regiões administrativas existem – as comissões de coordenação – mas sem vínculo democrático e sem envolvimento e participação dos cidadãos), mas avançou o poder local – o municipalismo. Aliás, foi o poder local que transformou Portugal e impôs a metamorfose do país. E foram as autarquias que resolveram os problemas mais básicos da população – de um país que há 50 anos não estava infraestruturado, com aldeias sem estradas, sem água canalizada, sem saneamento básico, sem condições básicas de vida… Foi o poder local, as Câmaras Municipais e as Juntas de Freguesia que, ao longo destes 50 anos, promoveram a organização e infraestruturação das nossas aldeias e vilas e permitiram que o país em 50 anos mudasse de forma radical. Mas para além da resposta às necessidades básicas da população, importa salientar a participação dos cidadãos na vida e decisões autárquicas.
O poder local não conseguiu promover o desenvolvimento, nem corrigir as muitas assimetrias regionais e pode ter falhado na afirmação das regiões e no estancar do despovoamento, mas cumpriu na resposta às necessidades básicas da população. Por isso, foi uma das conquistas de Abril que deve ser celebrada nestes 50 anos da Revolução.
O Portugal profundo seria muito mais pobre e atrasado sem poder local. E se não houve outro desenvolvimento regional foi porque a partir de Lisboa sempre houve um status quo a impor a mordaça ao desenvolvimento regional e a impedir a regionalização (com o apoio de caciques locais que, em todos os partidos e regiões, ao longo de 50 anos sempre preferiram um Estado central e um país amorfo, conservador, retrógrado, sem vitalidade ou transformações). Atualmente, estão em curso várias mudanças de implementação da descentralização que esperemos não parem: da regionalização encapotada nas regiões plano (no nosso caso na região Centro, que deveria chamar-se Beiras), até ao desenvolvimento das comunidades intermunicipais (a nossa, a CIM Beiras e Serra da Estrela, fundada há 10 anos, e que ainda é vista apenas como “back office” das candidaturas a fundos comunitários, quando já devia ser o centro de planificação e desenvolvimento regional, com estrutura política eleita democraticamente de forma universal).
2. No contexto do debate sobre o “choque fiscal”, e muito para além do embuste percebido na descida do IRS, o Governo prometeu eliminar o IMT para jovens com menos de 35 anos. Vista assim, a medida é atraente e positiva para apoiar os mais jovens na aquisição de casa própria. Porém, como salientou Carlos Miguel, antigo secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, o IMT – Imposto Municipal para a Transição Onerosa de Imóveis (antiga Sisa) é um imposto que reverte para os municípios. Ou seja, o Governo propõe assim uma medida relevante de apoio aos jovens, mas quem vai ficar sem o dinheiro do imposto serão as autarquias.
Se a proposta avançar, obviamente que as autarquias terão de a contestar e exigir compensação financeira. O IMT é uma receita dos respetivos concelhos e não será aceitável que as Câmaras tenham de suportar uma medida relevante, mas que é de política nacional e contraria um dos pressupostos básicos da autonomia do Poder Local (e da Lei das Finanças Locais).
Como sabemos, infelizmente, não é fácil atrair jovens para se radicarem em muitos dos nossos concelhos, pelo que a isenção de IMT poderá aparentemente ser uma boa medida para atrair os mais novos, mas é igual para todos os municípios, logo, nenhuma autarquia poderá exibir essa medida como estratégia de atração e apoio aos mais jovens.

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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