O paradoxo da tolerância

1. Como previsto, Jair Bolsonaro foi eleito presidente do Brasil. Não vou fazer-vos perder mais tempo com o assunto (não que ele não o mereça, mas porque o leitor está esclarecido e tem opinião formada). Aliás, dando uma volta pelas redes sociais toda a gente tem opinião sobre o eleito, sobre a vida no Brasil (mesmo os que nunca lá puseram os pés) ou sobre as “culpas” ou razões para a maioria dos brasileiros terem votado em Bolsonaro. Fica apenas uma nota essencial (e que os jornais têm obrigação de notar): o discurso do presidente eleito do Brasil não é justificável, não é aceitável ou admissível, nem pode ser defendido pela razão. Não encontro um único bom motivo para alguém justificar o apoio a uma figura que promove o ódio, que defende a violência, que apoia o racismo e que ameaça prender os opositores. Nem compreendo os argumentos, tão insistentemente revelados, como justificação do injustificável, normalizando um candidato (agora eleito), do porquê de os brasileiros terem votado em Bolsonaro. Dizer (explicar) que Bolsonaro é contra a corrupção, que o brasileiro está farto do PT ou que a esquerda é culpada pela crise e pela insegurança é fazer uma ablução a tudo o que defende o novo presidente. O povo brasileiro votou contra a corrupção, contra o PT, contra a insegurança, etc., sim, e o povo brasileiro é soberano, mas racionalizar e normalizar Bolsonaro é um erro intolerável, porque o ódio não tem defesa, e não o devemos tolerar. E é uma traição aos valores liberais e democráticos que uma sociedade moderna tem de defender. Como Karl Popper nos ensinou, uma sociedade aberta não pode tolerar o intolerável, sob pena de se fechar definitivamente. Hoje o Brasil comemora a mudança de regime; as instituições terão de funcionar como garante das liberdades e garantias; o povo brasileiro anseia pela mudança e pela segurança, oxalá o novo regime vá muito para além do ruído da campanha e da divisão social de um país extraordinário e de um povo que merece um novo futuro.

2. O recente anúncio de Mário Centeno sobre a manutenção do “adicional” sobre o Imposto Sobre produtos petrolíferos (ISP) é inaceitável. Aliás, pior, o ministro das Finanças anunciou que, para 2019, irá descer o “adicional” para a gasolina, mas essa descida não deverá ocorrer para o gasóleo. Como se sabe, quando em 2016 entrou em vigor o designado “adicional” sobre o ISP o governo pretendia reduzir este extra com a alta dos preços do petróleo, procurando assim garantir a neutralidade em termos de receita pública e contrariar as flutuações da receita com os combustíveis em período de baixo preço do petróleo. Entretanto, os combustíveis fósseis têm subido de forma contínua e o pressuposto para a introdução do “adicional”, de cerca de seis cêntimos, deixaram de existir. Pelo contrário, o governo devia ter cumprido a promessa de eliminação de uma taxa que, supostamente, foi anunciada para gerar receitas fiscais apenas quando o petróleo estava “em baixo”. A verdade é que nenhum governo gosta de perder uma receita, neste caso um imposto indireto, e que prejudica sobremaneira os portugueses que necessitam recorrer ao carro no seu dia-a-dia e as empresas.
Se quem vive nos grandes centros pode deslocar-se para o trabalho em transporte público, quem vive fora das grandes cidades recorre ao carro para todas as suas deslocações, pois a má rede de transportes públicos obriga-o a recorrer ao carro para poder ir trabalhar. O passe social em Lisboa ou Porto (ou áreas metropolitanas) vai baixar, em muitos módulos para metade, com um custo de mais de 83 milhões de euros ao Estado. Obviamente, só quem reside nos grandes centros tem esse benefício, enquanto quem vive fora das grandes cidades terá de pagar o gasóleo mais caro, com “adicional”, portagens caras e transporte deficitário (por exemplo, quem se desloque da Guarda a Lisboa de comboio paga 21 euros e demora cinco horas, se não houver atrasos, que é o normal, como há 30 anos…).

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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