O Pântano

Escrito por Luís Garra

“A degradação da maioria absoluta do PS e das suas políticas estão aí inexoráveis em vários domínios da sociedade, desde logo nos planos económicos, sociais e laborais e também político”

Há já largos anos Guterres demitiu-se de primeiro-ministro porque, após uma derrota do PS nas eleições autárquicas, ele antevia um pântano político e ele, Guterres, não queria afundar-se nele. Porém, a verdade é que o verdadeiro pântano era o próprio PS que, como é da sua génese, tinha lá gente (muita gente) que se deslumbrava e “lambuzava” com o poder. Agora é Costa quem está atolado num pântano (não sei se ele já percebeu). Só que desta vez não foi por ter perdido eleições, mas por ter conseguido obter uma folgada maioria absoluta. Parece estarmos perante situações diversas e não comparáveis, mas não é assim. Nas duas situações a génese do pântano é o mesmo: No PS, como nos partidos do centrão dos negócios e das negociatas, o poder, ainda por cima absoluto, corrói e corrompe.

Claro que Costa é responsável pelo pântano, pois fez do cinismo, do chico-espertismo, do malabarismo de má qualidade, da arrogância e da petulância uma forma de fazer política.

Costa partiu do princípio que era possível governar na arte do engano, do faz que anda sem andar, do já os enganei e do empurra com a barriga. Costa deslumbrou-se com os elogios balofos que lhe faziam crer que era um político hábil, destemido, guerreiro e esqueceu-se que na política, como na vida, isso mais tarde ou mais cedo (neste caso mais cedo) esgota-se e paga-se, tudo é efémero e passa-se de bestial a besta em menos de um fósforo. É caso para lhe dizer: habitue-se!

Por isso, Costa é diretamente e quase único responsável pelas sucessivas saídas e remodelações do governo, pois, ele próprio, em conluio com o Maquiavel Marcelo, vai minando o caminho aos seus próprios correligionários. Por isso, Costa é, ele mesmo, um pântano.

A demissão do ministro Pedro Nuno Santos, a seguir à do seu Secretário de Estado, na decorrência do caso dos 500 Mil euros tirados à TAP (aos portugueses), é bem paradigmático da forma de estar e de ser de António Costa. Quando a coisa é má e dá para o torto, ele nunca sabe de nada e nada é com ele. Desaparece em combate, espera que a onda passe para depois surgir como o homem que tudo controla e tudo resolve. Até no caso de Miguel Alves, Secretário de Estado adjunto por ele nomeado, assim foi. Até deu a impressão que tinha sido um extraterrestre quem tinha nomeado o homem das obras virtuais em Caminha. Aliás, que fez Costa? Assumiu a responsabilidade política, como fez Pedro Nuno Santos? Não, não assumiu. Sacudiu a água do capote como se não fosse nada com ele.

Mas há algumas coisas estranhas que importa esclarecer. Por exemplo:

  1. É verdade que a protagonista-beneficiária dos 500 mil euros estava sob a tutela de Pedro Nuno Santos e este tinha obrigação de saber o que se tinha passado e tinha a obrigação de ser coerente e não ter permitido que isto se passasse, tal como quando, e bem, se insurgiu publicamente contra o pagamento de prémios pela TAP a alguns dos seus quadros, onde se incluíam os cerca de 17 mil euros para a esposa de Medina. Ora ele, porque não fez o que devia ter feito, entendeu, e bem, que tinha de assumir a responsabilidade política da omissão e por isso, e bem, demitiu-se.
  2. É dito que Costa e Fernando Medina não sabiam da história macabra dos 500 mil euros e que este ainda não era Ministro das Finanças quando a coisa se deu. Ainda assim cabe referir: A esposa de Medina, embora se encontrasse de licença de maternidade, não deixou de ser a diretora jurídica da TAP e seria estranho, muito estranho, que não tivesse sido informada do negócio da empresa com Alexandra Reis. Claro que, mesmo que soubesse, e não sabemos se sabia, se poderá sempre invocar que em casa não se fala de trabalho, mas este não é um trabalho qualquer. Este é um trabalho que tem a ver com o país e com uma empresa que tem recebido avultadas verbas do Estado (de todos nós) e Medina não é um ministro qualquer.
  3. Nisto tudo uma dúvida me assalta: Por que razão Pedro Nuno Santos não se opôs à indigitação de Alexandra Reis? Porque o PS estava acima da coerência? Porque Costa e Medina assim o determinaram? Por que aceitou, mais vez, ser o saco de boxe de Costa, como aconteceu com o episódio (mais um) da localização do novo aeroporto?
  4. Então Medina, com o acordo de Costa e a bênção de Marcelo (cujo irmão foi negociador por parte de Alexandra), nomeia uma pessoa para sua Secretária de Estado sem cuidar de apurar se estava tudo bem, quando a própria comunicação social o tinha referido? Não se interrogou como é que em nove meses a senhora sai da TAP com 500 mil na bolsa para poucos meses depois ingressar como presidente da NAV, para de seguida ir para o governo? Não é estranho tudo isto? Afinal que anda a fazer Costa? Aceita as indicações dos ministros e ele não apura? Anda no governo aos papéis, anda a ver navios, ou anda a ver passar os aviões? Uma coisa é certa: Para já Pedro Nuno Santos saiu do governo e Costa e Medina ficam. Tudo muito conveniente!

Pedro Nuno Santos não tinha condições políticas para continuar e não as tinha por culpa própria, porque julgou que era possível ter um discurso de esquerda e uma política de agrado da direita, como no caso do aumento do preço das portagens com bebesses às concessionárias, mas também porque Costa lhe foi retirando os meios, a credibilidade e o apoio que tinha o dever de lhe dar. Alguém, com cérebro, acredita que no caso do aeroporto Pedro Nuno Santos se precipitou e falou por conta própria? Acreditam mesmo que o Costa não lhe tinha dado sinal inequívoco para dizer o que disse? Será correto que, depois de o assunto estar esquecido e arrumado, Costa venha dizer à Visão que o maior problema que teve até àquele dia foi o criado por Pedro Nuno Santos com a questão do aeroporto? Por que razão fez isto, nesta precisa altura? Porquê? Não será estranho que Medina tenha nomeado para Secretária de Estado do Tesouro uma pessoa que tinha ligação direta a Pedro Nuno Santos e que esta tinha telhados de vidro? Não será isto já o prelúdio da luta interna pelo poder dentro do PS e a tentativa de arrumar um potencial concorrente?

Estas são perguntas cuja resposta dificilmente virá. No entanto, seria um exercício inconsequente se o pântano de Costa se resumisse aos sucessivos casos e casinhos, como ele gosta de dizer, quando, como sabemos, esses casos e casinhos resultam de um problema mais de fundo e estrutural que tem a ver com as políticas realizadas, ou por realizar, e com a velha propensão do PS para tentar fazer no governo o que a direita teria muita dificuldade em concretizar.

Veja-se, que não é por acaso que o subsídio dependente Saraiva da CIP lhe tece rasgados elogios e vem, uma vez mais, apelar à estabilidade governativa que não é nem mais nem menos que a garantia de que os privilégios, as mordomias, as benesses e as subvenções para o poder económico e financeiro ficam intocáveis e até florescem.

Foi Costa, e não outro, quem com presunção, arrogância e chico-espertismo veio, antes do Orçamento, apresentar os acordos de concertação social de médio prazo entre governo, os patrões e a UGT para a ilusória e enganosa melhoria dos rendimentos, dos salários e da competitividade e o acordo da Administração Pública com a UGT como os grandes instrumentos para a promover a paz social e a estabilidade governativa. Pensava ele, como pensaram outros antes dele, que, com esses acordos, que não tiveram a conivência da CGTP-IN, única central representativa dos trabalhadores portugueses, iria conseguir enganar o povo e os trabalhadores e que a luta entrava em descanso. Enganou-se: hoje, como nunca nestes últimos anos, a luta laboral e social aumentou, mandando o acordo às malvas. Aliás, os acordos estão desacreditados e mortos e bem mortos. Também por isso Costa está atolado no pântano, porque Costa é o pântano.

Não se iluda o PSD (Marcelo já percebeu): Costa é hoje o melhor salvo conduto que o capital pode ter e é por isso que os partidos à direita do PS (o PS está à direita da esquerda) vivem os problemas existenciais que são conhecidos, já que não conseguem apresentar políticas alternativas às de Costa, porque Costa os substituiu, com amplas vantagens para o capital, concretizando a agenda económica da direita.

Costa é capaz de dizer hoje uma coisa e amanhã o seu contrário, com a maior da desfaçatez. Apenas três exemplos: 1) Lembro que em 2015, em plena campanha eleitoral, prometeu abolir as portagens nas autoestradas do Interior e do Algarve e desde essa altura não cumpre com o prometido; 2) Recordo que prometeu uma agenda para o trabalho digno, mas o que temos é a manutenção da legislação laboral da direita e o maior ataque patronal de que há memória aos direitos dos trabalhadores; 3) Assinalo que prometeu defender e valorizar o Serviço Nacional de Saúde e o que tem feito é degradá-lo para favorecer e promover os negócios dos privados. Este é o Costa verdadeiro. É o Costa que promete e nunca cumpre, que diz que sim quando quer dizer não e que diz não quando quer dizer sim. Costa é um mestre na arte do disfarce.

A história avança. Umas vezes avança mais devagar e outras vezes avança mais depressa. Tenho cá para mim que desta vez vai ser mais depressa e mais depressa será se não houver hesitações, atentismos e paralisias táticas inaceitáveis. A degradação da maioria absoluta do PS e das suas políticas estão aí inexoráveis em vários domínios da sociedade, desde logo nos planos económicos, sociais e laborais e também político.

O tempo de hoje e do futuro pertence à esquerda, não pertence à direita.

Só a esquerda tem soluções para resolver os impasses estruturais que nos tolhem o desenvolvimento.

A agenda da esquerda deve ser clara: salários, pensões, direitos laborais, saúde, educação, proteção social, combate às desigualdades e à pobreza, cultura, ambiente e alterações climáticas, políticas de desenvolvimento integrado e de combate às assimetrias regionais e sociais, regionalização, segurança, combate à guerra e a defesa da paz, soberania nacional, integração e respeito por todas as diferenças, entre outras. Esta é a agenda do futuro. Esta é a agenda que constrói a alternativa de esquerda.

Se a esquerda for ideologicamente coerente e for audaz, corajosa, firme e determinada devolverá a esperança aos portugueses e salvará a democracia. Se não for isto tudo a extrema-direita capitalizará o descontentamento e comprometerá o nosso futuro coletivo.

O tempo é de luta!

Com a nossa Luta, as maiorias também se abatem!

Bom ano de 2023 e boa luta!

Sobre o autor

Luís Garra

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