O país das cigarras

1. Enquanto na Europa se discutiu o futuro na cimeira europeia mais longa da história, em Portugal o otimismo irritante de Marcelo e Costa conduz-nos a um beco sem saída – na verdade, de mão estendida, estamos onde sempre estivemos… Mesmo com o envelope financeiro de 15,3 mil milhões em subsídios assegurado na Europa, os portugueses estão cheios de medo sobre o futuro. Segundo um estudo de opinião divulgado por estes dias, 66 por cento dos portugueses acham mesmo que vamos ter pela frente mais austeridade, mais dificuldades e mais cortes nos rendimentos. Ou seja, a mensagem de Marcelo e Costa de que não haverá nova “austeridade” não está a merecer grande crédito junto dos cidadãos. Entre a crise dos últimos dez anos e a pandemia do novo coronavírus os portugueses estão preocupados e pessimistas.

Não bastavam os problemas estruturais e a crise que, desde 2008, tomou conta da realidade e impôs as maiores restrições, cortes e austeridade durante os últimos 12 anos, a Covid-19 veio destruir anseios e esforços da retoma que nos últimos anos acreditávamos possível. Afinal, bastou o confinamento para evidenciar a fragilidade da nossa economia. O Portugal moderno que tantos apregoaram continua distante. O crescimento politicamente prometido continua a ser uma quimera. O país pobre que em 2017 ardeu em Pedrógão e que todos queremos esquecer, continua a ser o terreno do nosso fado. Podemos ter a qualidade de vida de quem vive seguro e remediado, mas continuamos na cauda da Europa por muito que o Presidente da República corra por todo o lado ou o primeiro-ministro sorria. O país, cujo líder da oposição nem sequer quer muitos debates, vive domesticado entre a pobreza e o status quo, entre o amiguismo e o funcionalismo, entre o deixa andar e laxismo habitual – os serviços públicos, que eram medíocres, com a pandemia passaram simplesmente a não funcionar: os hospitais adiaram a maioria da sua atividade médica com medo ao Covid (ainda que uma pequena parte dos meios estivessem apontados para a resposta ao novo coronavírus); as Finanças não atendem telefones, não respondem a emails, recebem o contribuinte num janelo enquanto as pessoas esperam na rua ao sol; o IMT não agenda, nem responde às petições dos cidadãos; as escolas tiveram quatro meses fechadas e para muitos professores assim deviam continuar…

Depois de termos sido os melhores do mundo (em março), parece mesmo que o mundo está todo contra nós, mas a verdade é que este é o país de sempre, desigual, avesso à mudança e onde quando mexemos é para tudo ficar na mesma.

2. O Prémio Gulbenkian para a Humanidade que pretende distinguir pessoas e organizações de todo o mundo que contribuíram de forma inovadora e extraordinária para a mitigação das alterações climáticas foi atribuído à jovem ativista Greta Thunberg. Os prémios são importantes para quem os recebe, mas também dão dimensão a quem assertivamente os atribui. A Gulbenkian é a mais importante fundação portuguesa e estar na vanguarda da sua atividade sempre foi motivo de orgulho para todos. A escolha da mais relevante ativista contra as mudanças do clima é um ato de justiça e confirma a relevância da postura da jovem ativista que impôs uma agenda ambiental notável.

Ao mesmo tempo que Portugal mostra ao mundo que reconhece a importância da defesa do ambiente e da mitigação das alterações climáticas, permite os horrores de Santo Tirso onde cães e gatos morreram queimados. A imagem de Portugal pode ganhar pontos com a qualidade do trabalho da Gulbenkian, mas a forma como o Estado trata os animais ou a forma ancestral como se gerem canis (legais ou ilegais) e os horrores sobre os animais que constantemente são publicamente reportados fazem muito mal aos animais e à humanidade. E colocam Portugal entre os países onde praticam maus tratos a animais. Quando tanto se fala na necessidade de atrair turistas… nada pior para a imagem do país que se diz moderno e para afugentar os turistas que interessam.

PS: Foi com estupefação que todos recebemos a triste notícia do desaparecimento do jovem advogado e deputado municipal da Guarda Tiago Gonçalves. Todos perdemos um amigo, um companheiro, um lutador pela Guarda e pela região. Endereçamos à família e amigos as mais sinceras e sentidas condolências, próprias destes momentos de tristeza.

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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