O país centralista

“A Guarda é muito longe de Lisboa e o efeito “spillover” a partir de Lisboa, onde todas as decisões são tomadas, onde o grande investimento público é feito, continua a não chegar ao país real, aos territórios de baixa densidade, ao Portugal profundo, à “paisagem”.”

Um dos debates mais antigos em Portugal tem a ver com a centralização versus descentralização. O debate é antigo e a conclusão é óbvia: tudo está concentrado em Lisboa. Ou, se preferirem, “Portugal é Lisboa e o resto é paisagem”. Podemos ouvir muitas vozes de discordância e de amor à terrinha, mas, à hora da verdade, tudo é decidido e feito em Lisboa e quem vai para Lisboa fica tão centralista como os que já lá estavam. Uma macrocefalia insuportável e que suga toda a energia do país. E que, em última análise, leva a um atrofio existencial de quem vive em Lisboa, entre a correria e as horas de má qualidade passadas nas deslocações, nas filas, no stress do dia a dia – mas de que a maioria das pessoas não prescinde! As tentativas de descentralizar foram muitas, e a Constituição portuguesa continua a incluir um artigo dedicado à regionalização, mas muito para além das palavras de circunstância, da demagogia política ou do discurso oficial, desde Lisboa olha-se para a “província” como um todo longínquo de que ninguém quer saber…

Os milhares de quilómetros de autoestradas foram uma oportunidade de coesão territorial, aproximando as pessoas e as empresas dos centros de decisão, dos mercados, da matéria-prima, da cultura ou da vida social. Mas o que traz também leva. E a melhoria de acessibilidade não é per si uma forma de desenvolvimento dos territórios. É com centros de decisão de proximidade, com emprego de qualidade, com conhecimento e cultura que os territórios se podem desenvolver. A implementação da rede de politécnicos foi o único grande investimento público de sucesso – levando emprego, conhecimento e cultura aos territórios. Mas a coesão territorial exige muito mais. Exige deslocação de serviços de Lisboa para outros territórios e sem isso não haverá forma de promover o desenvolvimento dos territórios, seja em Trás-os-Montes, nas Beiras ou no Alentejo.

Na Guarda, abriu em abril de 2023 o CEIS – Centro para a Economia e Inovação Social, um centro de formação e capacitação de trabalhadores do setor social. Um projeto ambicioso na área da economia social que irá extinguir-se no final do ano, para fundir-se com o centro de Competências de Envelhecimento Ativo dando lugar a um novo Centro de Competências para a Economia Social. Como é evidente, trata-se de uma decisão política, que nada tem a ver com as pessoas que ali trabalham ou com o trabalho desenvolvido. Infelizmente, a Guarda poderá perder a “sede” da instituição, por decisão governamental e centralizadora – se não houver oposição política ao mais alto nível novo serviço será dirigido a partir de Lisboa. O serviço deverá continuar na Guarda e o trabalho, que segundo os dados divulgados, é muito positivo vai continuar a ser feito pelos trabalhadores, mas a direção será na capital.

Este é um bom exemplo (um mau exemplo) do país centralizador em que vivemos: numa medida descentralizadora, e de forma inovadora, o serviço foi criado na Guarda, os seus trabalhadores cumpriram com brio o seu trabalho e o desempenho foi notável, mas o CEIS vai ser extinto, integrado numa fusão provavelmente sem autonomia e na dependência das escolhas políticas centralistas. A Guarda é muito longe de Lisboa e o efeito “spillover” a partir de Lisboa, onde todas as decisões são tomadas, onde o grande investimento público é feito, continua a não chegar ao país real, aos territórios de baixa densidade, ao Portugal profundo, à “paisagem”. É o país que temos… Um país centralista e de enormes desigualdades regionais.

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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