O Ovo no folar da Páscoa

A comemoração da Páscoa, embora com data variável no calendário gregoriano, confunde-se com o início da Primavera e é determinada em função da primeira lua cheia, após o dia 21 de março. Com base neste dia surgem os domingos da Quaresma.
A Páscoa é um símbolo católico de esperança, mas contem intrinsecamente no pensamento cristão um sentimento de rotura com as injustiças. A ressurreição é igualmente o renascimento e o reinício de um novo ciclo de vida.
Recordo-me do ramo cheio de simbolismo, que era presente ao sacerdote no domingo anterior e era benzido, com a carga emocional e as leituras ou sentidos que lhe quisermos dar. Na realidade, o Domingo de Ramos celebra a entrada de Jesus em Jerusalém, recebido com ramos de oliveira. O ramo deve conter a oliveira que associamos à paz e alecrim associado à alegria. Tenho a ideia que lhe juntávamos algumas flores silvestres, acabadas de brotar, que roubávamos à colorida paisagem.
E onde se insere o ovo neste espírito, tenho-me perguntado. Fui investigar com ajuda da Wikipedia e pude concluir que Ēostre ou Ostera é a deusa da fertilidade, amor e do renascimento na mitologia anglo-saxónica e nórdica. Na Primavera as lebres e os ovos coloridos eram os símbolos da fertilidade e renovação. Posteriormente, a Igreja católica acabou por substituir as festividades pagãs de Ostera pela Páscoa, não sem absorver muitos de seus costumes, inclusive os ovos e o coelhinho.
O outro símbolo inerente á Páscoa é o folar, com ou sem ovos. Na pesquisa fui encontrar uma lenda portuguesa, em que uma jovem de nome Mariana tinha o desejo de casar cedo, por isso muito rezou a Santa Catarina e logo lhe surgiram dois pretendentes, sendo um fidalgo rico e um lavrador pobre, de seu nome Amaro, ambos jovens e belos. Depositou a escolha numa ladainha a pedir ajuda de novo à Santa e os pretendentes marcaram o Domingo de Ramos como data limite para que elegesse o preferido, porque na lenda até o amor tem um limite temporal. Nesse dia Mariana foi avisada que os pretendentes travavam uma luta de morte e correu para junto deles, sempre rezando e pedindo ajuda a Santa Catarina, acabou escolhendo para seu esposo o lavrador de nome Amaro.
Mas a lenda não termina com o triunfo de Amaro, pois corriam rumores, que o casamento marcado para o Domingo de Páscoa podia ser alvo da vingança do fidalgo, cujo nome não é referido na lenda, tornando-se num banho de sangue e numa tragédia. Mariana, mais uma vez, sem querer abusar, pede a intervenção da santa, colocando flores na sua imagem, ficando convencida que tudo ia correr bem porque a imagem lhe sorriu. Ao chegar a casa encontrou na mesa um bolo coberto de ovos inteiros rodeado das mesmas flores e constatou que o bolo tinha sido também entregue a Amaro e ao fidalgo sem nome. Este bolo, denominado folar, ficou associado à paz e união e como tem ovos inteiros, foi também associado ao amor, fertilidade e renascimento, e como o casamento se consumou sem tragédia no dia de Páscoa mais se entende a ligação.
As estórias, mas principalmente as lendas, perdem no rigor histórico o que ganham em beleza com um final feliz.
O folar é um bolo rico, contendo farinha de trigo, ovos e açúcar, somando-lhe os ovos inteiros, recobrindo a superfície bem no centro. Ao folar associa-se o padrinho. A importância de quem recebe o folar, mas também a capacidade financeira de quem oferece, é medida pela dimensão do bolo e pelo número de ovos.
Amaro recebeu um folar de muitos ovos por certo, é um homem de sorte ou que faz por a ter rodeado ao longo da vida de padrinhos e afilhados, por certo formaram um casal feliz para todo o sempre.
Coincidência ou não, foi próximo da Páscoa que Amaro, o outro, se fez anunciar a candidato à Câmara e próximo da Páscoa, seis anos depois, suspendeu o mandato para voar para Bruxelas e Estrasburgo. A Ribeirinha, que aqui entra por uma questão de cruzamento de lendas, ficará triste, olhando as rotundas, já com saudade das festas, esperando que, tal como D. Sebastião, também roubado a outra lenda, ele volte numa manhã de nevoeiro, para cumprir as outras promessas que fez um dia… A esperança e o renascimento são, sem dúvida, a alma da Páscoa.

Sobre o autor

João Santiago Correia

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