A cigarra e a formiga
Chegou a altura do ano em que todos “os trocos se contam”, em que se reivindica investimento pelo país em todas as áreas e sectores, em que se fala do deve e do haver, chegou o debate do Orçamento de Estado para 2019. E neste âmbito não há quem tenha a veleidade de discordar de propostas como a da oferta de manuais escolares, da redução, ou mesmo da eliminação das propinas no ensino superior, da redução dos passes sociais nos transportes, da genérica reposição de direitos e de rendimentos. Provavelmente, não discordará mesmo ninguém. Mas tudo isto custa dinheiro, tem um preço. É preciso arrecadar mais receita fiscal, cortar noutras despesas, adiar pagamentos e refazer prioridades. Esse é o caminho prosseguido pela proposta de Orçamento do Estado para 2019. Corta nos investimentos públicos inerentes ao funcionamento de um Estado que se quer ao serviço das populações e das pessoas, particularmente na Saúde e na Educação. Aumenta a carga fiscal ao nível dos impostos indiretos. Aumenta a dívida pública bruta em mais de 3 mil milhões de euros. Abdica de uma aposta séria na competitividade empresarial e num crescimento económico robusto. Tudo se traduz em números, tudo tem o tal preço. E este é o preço escolhido por este Governo e pela geringonça que o suporta.
E na Saúde?
Depois de uma visita relâmpago de um Ministro da Saúde que, horas depois, já o não era, à ULS da Guarda, para anunciar coisa alguma e do género «…o início de um processo para se mandar elaborar um projeto para a reabilitação/construção (ninguém percebeu bem) do Pavilhão Cinco, em conjunto a ARS com a ULS…» e depois de entregar com um sorriso nos lábios quatro chaves de viaturas para serviço dos respetivos e “felizes” Centros de Saúde, como se de uma verdadeira “prenda” se tratasse, soubemos horas depois que, afinal, as viaturas em apreço serão pagas pela própria ULS, que celebrou para o efeito protocolos para a sua aquisição e que custarão cerca de 300 euros, mais IVA, por mês.
Ocasião para dizer… Com “prendas destas” mais valia cá não vir!!
Tal como valeria a pena repensar a política orçamental deste Governo para o setor da Saúde no ano de 2019, que continua a evidenciar um claro subfinanciamento do SNS, acompanhado de uma crónica suborçamentação e de um investimento insuficiente, com as inerentes consequências ao nível da qualidade dos cuidados de saúde, seja em matéria de acesso dos utentes (aumento das listas e dos tempos de espera para consultas e cirurgias), seja no que se refere às condições de prestação desses cuidados, tanto no âmbito dos cuidados primários, como dos hospitalares, continuados e paliativos.
A despesa efetiva consolidada do Programa Saúde aumenta aparentemente 525 M€ em 2019 (de 10 398 M€, na estimativa para 2018, para 10 923 M€, no Orçamento para 2019), o que representaria linearmente um crescimento de 5,1%. No entanto, a análise tem de ser feita de forma global, pois, ao analisarmos as transferências orçamentais para o SNS, verificamos que estas terão um aumento de 202 M€, um crescimento nominal de 2,3%, mas que, em termos reais, isso não ultrapassará 1%, já que haverá que lhe subtrair a inflação prevista para 2019 (1,3%).
No que se refere a investimento, o Governo prevê que a despesa com aquisição de bens de capital ascenda, em 2019, a 322M€, o que representaria um aumento de 22M€, caso os valores orçamentados se cumprissem. Que nunca cumpriram até agora!
Pois, já que em 2018, a previsão era de 301 M€ (contudo, até agosto, apenas foram realizados 61 M€); em 2017, a previsão do investimento apontava para 259 M€, tendo apenas sido realizados 111 M€; em 2016, essa previsão apontava para 211 M€, tendo apenas sido realizados 117 M€.
Já a suborçamentação crónica do setor da Saúde é também evidenciada pela evolução da dívida do SNS (total e vencida) e do montante dos pagamentos em atraso dos Hospitais EPE que se traduzem numa dívida total do SNS que compara Dezembro de 2015 – 1437M€, com Agosto de 2018 – 1928M€, ou seja um aumento de 34%; Uma dívida vencida de 853M€ (Dez.2015) para 1254M€(Agosto2018), ou seja um aumento de 47%; E os pagamentos em atraso de 451M€ (Dez.2015) para 773M€ (Agosto2018), um aumento de 71%.
Razão para afirmar que o Sr. Ministro Adalberto não deixará saudades neste sector e que a nova Ministra tem um árduo trabalho pela frente!
Pena é que sejam as pessoas, os utentes do SNS a sofrer com estas opções, por cada vez que têm necessidade de recorrer aos seus Hospitais, por cada dia/mês/ano que desesperaram por uma consulta ou operação cirúrgica, ou por cada médico e especialidade que não têm à sua disposição.
* Deputada do PSD na Assembleia da República eleita pelo círculo da Guarda e presidente da Assembleia Municipal de Pinhel