Na minha última crónica, falei sobre o “Portugal de relance”, de Marie Rattazzi, publicado em 1880. A princesa francesa faz também parte de uma lista de 42 ilustres visitantes de Portugal selecionados por Maria Filomena Mónica no seu “O olhar do outro: estrangeiros em Portugal do século XVIII ao século XX”.
Da lista de Filomena Mónica, 40% são ingleses (alguns são famosos como Lord Byron ou Christopher Hitchens), há um espanhol (Miguel Unanumo), um dinamarquês (Hans Christian Andersen), um húngaro (Arthur Koestler), alemães (como Alfred Döblin ou Hans Magnus Enzensberger), um colombiano (Gabriel García Márquez), um romeno (Mircea Eliade), alguns franceses (Simone de Beauvoir ou Sartre), americanos (Mark Twain ou Mary McCarthy).
Como é evidente, os comentários e análises variam de visitante para visitante. Há elogios e muitas críticas, as mais contundentes vêm, sobretudo, dos nossos “velhos aliados”. Do alto da sua superioridade, os ingleses viam os portugueses quase como uns bárbaros, uns primitivos. Porém, como salienta Filomena Mónica, até pelo menos meados do século XIX, o «país anómalo» era a Inglaterra e não Portugal. A Inglaterra era, de longe, o país mais rico e desenvolvido do mundo.
Há observações que se repetem ao longo daquele período de mais de 200 anos, compreendido entre 1760 e 1986. Muitos sublinharam a pobreza e o atraso de Portugal. Na verdade, como relembrou o inglês Ralph Fox em 1936, mesmo no seu (curto) período de glória, Portugal foi sempre pequeno e pobre.
Logo em 1760, cinco anos após o terramoto de Lisboa, o italiano Giuseppe Baretti notou que são muito poucos os produtos que Portugal lança no mercado. As manufaturas são de pouca relevância.
Mais tarde, já no século XX, a francesa Simone de Beauvoir, em 1945, e a americana Mary McCarthy, em 1954, ficaram chocadas não só com a pobreza, mas também com o nível de desigualdade da sociedade portuguesa. Os ricos olhavam com indiferença e desprezo os pobres. McCarthy diz que as classes altas portuguesas «tendem a exibir um ar de quem vive no exílio», olhando os outros portugueses como nativos «no sentido colonial do termo».
Muitos referiram a má governação como uma das causas principais do nosso atraso. Os nobres são muitas vezes descritos como uns barrigudos, radicalmente ignorantes, que nunca leram um livro na vida, sem biblioteca, sem um pingo de curiosidade, convencidos de que viviam no melhor país do mundo, obcecados com joias e títulos, doidos por caça, sem nunca porem os pés nas propriedades que tinham na província, deixadas ao deus dará.
A quantidade descomunal de padres, a ignorância e o excesso de influência do clero também impressionaram negativamente muitos destes ilustres visitantes.
Mary McCarthy associou o nível de intervencionismo estatal ao atraso de Portugal. Que país é este em que para comprar uma fita para uma máquina de escrever, um isqueiro, um cão ou um papagaio é preciso uma licença? – perguntava a norte-americana boquiaberta.
Há muitas outras observações recorrentes. O défice de escolas. O sistema de justiça, com uma diferença de tratamento chocante entre ricos e pobres. A tendência para copiar e imitar o que vem do estrangeiro. A falta de ousadia e a aversão ao mercado livre dos “empresários”. O excesso de zelo dos nossos pequenos funcionários. O analfabetismo, a crendice, a superstição, o hábito de cuspir no chão, a lentidão, a tristeza, o pessimismo dos portugueses – «Portugal é um povo de suicidas, talvez um povo suicida», escreveu Miguel Unanumo num artigo em 1908.
Muitos ficaram impressionados com a beleza de Lisboa. Outros adoraram o Porto e os campos minhotos.
Verdade que Portugal mudou muito nestes mais de dois séculos. Porém, para mim, o mais inquietante é continuar a ver um fundo de verdade em muitos destes retratos deixados por estes estrangeiros em Portugal.